6 - Homem Primata

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É um dia de nuvens em... em que ano você está? Você não sabe mais.

Você não sabe sequer se as nuvens que volta e meia passam diante dos seus olhos são de verdade. Seus sentidos não são mais confiáveis.

O que eles lhe dizem neste momento não é muito complicado: você está deitado num leito hospitalar, fortemente amarrado com correias de couro. O corpo está quase todo coberto por um pijama de tecido grosso e já gasto de tanto uso e tantas lavagens. Pelo menos está limpo, você pensa. Suas narinas captam o cheiro de desinfetante de pinho de marca vagabunda.

Esta parte é mais fácil. O que os seus ouvidos lhe dizem, entretanto, é outra coisa.

Palavras num idioma que lhe parece familiar, mas ao mesmo tempo estranho. Você lembra, sem saber por que, de séries de televisão que via quando criança em Smallville: Terra de Gigantes, Túnel do Tempo, e de uma pergunta que você e seu melhor amigo, Pete Ross, se faziam sempre: por que é que eles sempre falam inglês? Por que os gigantes falavam o mesmo idioma dos pequeninos? E como é que Tony e Doug, não importava o lugar onde o túnel do tempo os deixasse a cada semana, sempre conseguiam se comunicar com os nativos sem qualquer dificuldade?

— Ah, isso é fácil. — dizia Pete, sempre o mais esperto — Eles usam um tradutor universal. Igual ao de Jornada nas Estrelas.

— Mas em Jornada eles não usam tradutor universal. — você respondia, sem entender direito — Só o comunicador.

— Eles usam implantes. — Pete explicava paciente ao amigo não tão brilhante.

— Implantes? O que é isso? — você perguntava, ainda sem entender o significado das palavras.

— Dez miligramas de Haldol. Se o paciente continuar com os sintomas, nova sessão de eletroterapia amanhã.

Você não entende nada do que está sendo dito ao seu redor. Isso para você é grego. E, por falar em grego, você lembra das histórias da Mulher-Maravilha que costumava ler na adolescência. Aqueles cabelos encaracolados, aquele nariz, aquelas formas gregas que só George Pérez sabia desenhar. Diana é que era mulher de verdade. Lois Lane, por exemplo, aquela vagabunda que nunca lhe deu a menor confiança na redação do Planeta Diário? Lois Lane não era nada. Você preferia as mulheres dos quadrinhos. Adormeceu desejando Diana.

Você acorda num quarto pequeno mas limpo, todo branco, deitado numa cama que quase não dá conta do seu corpo. Percebe que não está mais amarrado. As correias de couro não são mais necessárias. Você está tão zonzo que mal consegue mover a cabeça.

Quando consegue (e parece que demorou uma eternidade), você vê o homem de branco ao seu lado.

Homem de branco castanhos verde dr. Smith não tem registro não tem registro não tem registro hahahahahahaha

Você só percebe que está rindo quando o homem de branco diz:

— Estamos de bom humor hoje, hein?

Então você consegue focar a atenção nele, e preenche as lacunas do seu pensamento. Homem de (jaleco) branco. (Cabelos) castanhos. (Placa de identificação) verde (no bolso). A placa diz "Dr. Smith". O "não tem registro" ficou por conta de Perdidos no Espaço. Grande série, essa. Uma de suas favoritas.

— Eu também gostava muito dessa série. — diz o médico. Você deve estar falando muito alto.

Mas, quando tenta mover os lábios para responder, não consegue emitir som algum.

— Descanse, rapaz. — o médico diz, pondo a mão no seu ombro — Daqui a pouco a Maggie vem com sua refeição, OK? Só não coma demais. — ele sorri amistosamente — Você precisa emagrecer um pouco, rapaz.

Mais tarde, na hora da sessão de terapia, quando passa pelo espelho no corredor, você percebe que a palavra "rapaz" foi gentileza do doutor.

Você é um velho.

Não, velho não; você está acima do peso (bem acima, você calcula uns vinte ou vinte e cinco quilos) e seus cabelos estão quase todos brancos. O rosto está vincado de pés-de-galinha. Você está acabado precocemente.

— Como estamos hoje? — o médico pergunta.

Você já sabe qual é a resposta que o médico deseja ouvir.

— Bem. — você diz. Mas ele sabe que você sabe. E não se convence. Rabisca alguma coisa na prancheta. E você volta para seu quarto.

Superman/Matrix: As Idades do HomemOnde histórias criam vida. Descubra agora