Capítulo Quatro

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~ ANDREW ~

Saber que Louíse sofria abuso sexual de alguém de dentro da sua própria casa me doeu muito. No começo eu não sabia, o chefe dos anjos não havia me contado, eu descobri sozinho uma noite em que fui ver como ela estava e a vi sendo abusada por aquele monstro. Ela chorava muito, a agonia e o nojo eram nítidos em seu rosto. Confesso que sofri junto com ela. Meu coração apertou de uma tal maneira que nunca havia acontecido antes. E então foi só ai que eu descobri o porque ela tinha tanta vontade de morrer. A morte passa muitas vezes na cabeça daquela garota durante o dia! E eu sempre tento confortá-la da minha maneira.
O pai dela morreu há 7 anos, e há 5 Marcos, o padrasto dela, foi morar com as duas. Fui escalado para essa missão — de cuidar dela — pois o chefe dos anjos me achou capacitado. Ela é o caso mais difícil que eu já peguei. É muito complicado tentar cuidar dela e ao mesmo tempo tirar todo o pensamento ruim que passa em sua mente.
Em uma noite eu estava sentado no batente da janela do quarto dela à observando. Louíse estava dormindo profundamente, então me senti à vontade para entrar. Abri a janela e entrei sem fazer barulho, fui até ela e coloquei uma rosa azul clara no criado mudo ao seu lado. Metade de seu rosto estava sendo iluminado pela pouca claridade do abajur de peixes que pareciam nadar enquanto rodavam dentro daquela embalagem de plástico, enquanto a outra metade era tomada pelo escuro do quarto. Andei pelo quarto, e vasculhei os papéis que estavam sobre a escrivaninha. Haviam desenhos ali em cima, e alguns poemas que ela havia escrito. Vi ali em cima também, um porta-retrato de família. Ela estava no meio, seu pai à sua esquerda e sua mãe à sua direita. Eles estavam felizes, e eu sei que ela queria que aquele fosse o seu presente.
Ao lado da escrivaninha estava seu violino. Louíse era uma boa violinista! E eu não estou falando isso apenas por seu seu anjo, ela realmente tem talento. Algumas vezes à observo tocando, e é mágico. A gente literalmente se transporta para outro mundo. Seu som é sempre suave e doce, um lado que Louíse com certeza tem dentro de si e só consegue demonstrar através da música.
De repente me assustei com uma voz.

— Mãe? — Ela disse se sentando na cama e coçando os olhos.

Provavelmente ainda não tinha acordado totalmente, então ainda não tinha raciocinado sobre quem estava no seu quarto. Me abaixei na tentativa de ela não ter me visto e só estar dormindo, mas infelizmente ela já havia percebido que havia alguém ali. Mas como isso poderia acontecer se ninguém conseguia me ver? Era impossível!

— Você consegue me ver? — Eu disse ainda abaixado.

— QUEM É VOCÊ? — Ela disse em um tom alto. Sua expressão era de alguém que estava assustada e com medo. — MÃÃÃÃÃEE! — Ela gritou.

Me assustei e fiz sinal com o dedo indicador para que ela ficasse quieta, mas não foi o que aconteceu. Vi a mãe dela entrar pela porta do quarto correndo e acender a luz logo em seguida.

— O que foi filha?

— Tem alguém aqui dentro! Olha ali... — Ela apontou para o canto do quarto em que eu estava.

Me encolhi e fechei os olhos numa tentativa inútil de tentar me "proteger".

— Filha, — ela olhou para onde eu estava e depois para Louíse — não tem ninguém ali!

— Claro que tem mãe! — Louíse olhou assustada para a mãe.

— Filha, — ela se sentou na cama — você deve ter tido apenas um pesadelo. Deite-se e volte a dormir. — Ela cobriu a filha, se levantou e saiu do quarto.

Louíse se sentou na cama novamente, ainda me olhando de modo estranho.

— Tá legal. O que você está fazendo aqui e por que minha mãe não conseguiu te ver?

Ela me observava, ainda assustada e sem entender nada.

— Bom, primeiro acalme-se. Eu me chamo Andrew, e não sei se posso te contar o porquê ela não consegue me ver e você sim, porque nem eu sei ao certo.

— Eu quero saber apenas isso, por que eu consegui te ver e ela não?

— Eu não posso te contar, me perdoe!
Abaixei a cabeça e me aproximei dela.

Ela olhou para o lado, encontrando a rosa que eu havia deixado ali em cima alguns minutos antes.

Acompanho Louíse desde que ela tinha 10 anos de idade, quando seu pai morreu. Como era um momento de fraqueza, meu chefe imaginou que eu seria a pessoa ideal para cuidar dela.
Eu imagino Louíse como uma rosa, cheia de espinhos, mas com sua própria beleza. Por isso à algum tempo tive a idéia de dar rosas para ela anonimamente. Sempre que algo ruim acontecia com ela, eu deixava uma rosa em seu quarto enquanto a mesma dormia, mas eu arrancava uma pétala e a despedaçava, deixando-a ao lado da rosa. Quando ela estava feliz — o que quase nunca acontecia — eu deixava uma rosa inteira ao lado dela, mas tirava todos os espinhos antes de deixá-la lá. Eu tinha esperança que ela, um dia, entendesse que a rosa representava ela e suas emoções interiores.

— É você quem tem deixado essas rosas aqui?

— Sim.

— Por quê?

— Você é cheia de perguntas heim, senhorita curiosa.

Louíse então tentou me tocar, e eu dei alguns passos para trás, recuando.

— Você não pode me tocar!

— Por que não?

— Apenas não me toque! — Pareci ignorante e vi ela abaixar a cabeça. — Desculpa, é que eu não posso te contar o que está acontecendo. Só te peço para esquecer o que aconteceu aqui, por favor! — Ela me olhou com seus olhos tristes. — Se cuida, tchau.

Corri para a janela e a pulei, abri minhas asas e voei para o terraço sem que ela me visse. Olhei para baixo à tempo de vê-la colocando a cabeça para fora da janela, tentando ver para onde eu fui. Sentei-me na beirada do prédio, e fiquei observando as luzes da cidade por um longo tempo. "Se cuida", foi o que eu disse. "Se cuida"! Até parece que ela iria se cuidar. Quem tem que cuidar dela sou eu!
A cabeça de Louíse deveria estar super confusa à essa altura do campeonato, mas eu, infelizmente, não podia falar nada. Pelo menos por enquanto.

Meu Querido AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora