- Frio...
Sempre foi frio aqui, não me lembro de ter vivido um dia quente mesmo com o Sol sempre brilhando acima de nós. A floresta era grande, alta, larga, cobria tudo, escondia todos, porém, era calma e vez ou outra ela parecia morna, nela havia vida, havia verde em todos os lados e eu amava ver a luz do Sol refletindo na geada deixada pelo frio intenso da noite. O som da água do corrego batendo nas pedras era confortante, ele percorria a floresta toda, era incrível, os ruídos das diversas árvores eram bastante acolhedores e cativantes, mas, o perigo estava sempre a espreita e independente do que fosse nós fariamos o possível para defender o nosso lar.
No entanto, eles sempre estiveram aqui. Isso mesmo, os humanos, eles nunca foram criaturas muito educadas, invadem nosso lar, constroem suas casas no lugar onde marcam e cortam as árvores, levam os animais embora e nem sequer se importam em saber que estamos aqui, que sempre estivemos aqui, e quando nos defendemos somos nós os monstros.
Poucos sabem o que somos, poucos acreditam que existimos e estes costumam escrever sobre nós, somos criaturas de cinzas.
Eu sou Anala, sou uma raposa, o fogo enviado do Sol e luz na escuridão, sou cinzas nas noites de luar, porém, eu posso ver as manhãs. Divido meu lar com um clã, uma alcateia de lobos de cinzas que não podem sentir o calor do Sol.
Vivemos na floresta do leste, a Floresta de Adwaita*, minha alcateia e eu ajudamos os lobos a proteger uma árvore especial no meio de tantas outras, uma glicínia*, a guardiã da vida, que chamamos de Glínea*.Conheço bem os lobos, em especial a Umbra, criatura selvagem de pelagem negra e olhos de cores perfeitamente azuis-cinzentos, mas, capazes de mudar com suas emoções. Ela era diferente, não seguia as regras e não temia o Sol.
Quase todos os dias, antes da aurora, quando os lobos voltavam para a toca protegida pela Glicínia, ela corria para o perigo se divertindo em desafiar o Sol e a Morte, e acredito que pelo menos a Morte se alegrava com tamanha ousadia da criatura da noite.
Era lindo vê-la correr sob a luz no céu da noite se tornando dia, ainda sem Sol ou Lua, sua pelagem balançava perfeitamente com aquela brisa fria e seus olhos brilhavam alegres por sentir a liberdade. Ela era esperta, sabia se esconder da luz.- Que milagre vê-la por aqui, minha querida, Umbra! - Comprimentei ao encontra-lá às margens do corrego, onde havia mais sombra.- Andou sumida ultimamente ou será que eu já estou ficando velha e esquecida??
- Anala! - Ela parecia feliz em me ver, como sempre, e isso me alegrava muito. Eu atravessei o corrego pulando em algumas pedras frias e ela me recebeu com fungadinhas na nuca.- Senti saudades! Estive sendo vigiada por meu pai nos últimos dias, recebi treinamentos mais severos para que eu ficasse mais cansada e não tivesse disposição para sair pela manhã.
- Ele se preocupa muito contigo.
- Ele devia confiar mais em mim, sou boa caçadora e aprendiz. - indagou.
- Ele confia em você mas, tem medo de te perdar para ...
- A luz do Sol!- Apressou-se em terminar.- Eu já sei, já falamos sobre isso.
- Sim, mas,...como está aqui agora se me disse que ele estava te vigiando?
Ela me deu um olhar rebelde antes de responder.
- Roubei algumas papoulas da curandeira e coloquei na refeição dele, está dormindo como um filhote.
- E se o filhote descobrir? - Brinquei.
- Acredite, Anala, ele não vai descobrir tão cedo.
Caminhamos juntas, seguindo contra a descida suave e agitada do corrego, sabiamos que presas quentes e miudas, como coelhos e esquilos, estavam na parte morninha da floresta. Talvez ainda estivessem sonolentos, lavando o focinho na água gelada.
Começamos a seguir por trás das árvores e arbustos.- Ali! Veja! - Ela logo avistou um coelho gordo e cinzento. - É um macho, mas, sem família. Eu vou apanhá-lo!
-Não! - Apressei-me.- A luz!
Como imaginavamos, o coelho estava bem proximo da água, porém, em uma parte da margem banhada pela luz do sol da manhã.
-Porcaria...
-Não se preocupe, eu o apanho.
Ela apenas recuou um pouco, detestava a luz, odiava o Sol, mas, havia algo mágico nas manhãs que a encantava à ponto de atrai-lá para cá.
Eu me agachei e fui sorrateiramente me preparando para saltar, quando ele notou minha presença, já era tarde de mais.-Aqui está a nossa presa-da-manhã.
💙
*Glicínia/ Wisteria: Árvore típica do Japão, bastante usada na decoracão de parques, jardins e varandas. Podem ser criadas também como delicados bonsais.
*Adwaita: Significa "a única" em Bengali.
*Glínea: Uma pequena adaptação que fiz para o nome 'Glicínia'.NOTA: Se você está gostando da história, por favor, comente, deixe sua "estrelinha" e faça essa autora feliz! ^-^
E lembre-se: NÃO SEJA UM LEITOR FANTASMA!!!
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Lobos de Cinzas
FantasyOs dias eram frios, mas, o Sol sempre brilhava sobre a vasta floresta ao leste, onde viviam animais peculiares. Bem próxima à floresta, por assim dizer, bem ao lado, morava uma adolescente curiosa chamada Pandora, vivia com sua mãe que se agarrava a...