Algo que era comum em quase todas as famílias era anunciar quando se chega em casa, pois há sempre alguém esperando. Era o que eu mais via em novelas, mais lia em livros. Mas quando eu chegava, o que me recebia de braços abertos era o silêncio.
Ao abrir a porta da cozinha, encontrei minha mãe de costas para mim. O tac tac que vinha dela indicava que estava cortando algo em cima da tábua de vidro. A porta fechou e ela olhou para trás para ver quem havia chegado, mas logo voltou à atenção para frente quando viu que era apenas eu.
Tirei meus sapatos e levei-os para o tanque de lavar roupas para limpar a sola. Depois de deixar minhas coisas no quarto e lavar as mãos e o rosto, eu voltei para a cozinha para ajudar no jantar.
Minha mãe era dona de casa, mas não por opção. Após perder o emprego e enfermeira, ela "decidiu" se manter em casa. Então, ela foi pegando o jeito disso e tirando e mim as tarefas e obrigações que eu tinha conforme ia aprendendo.
As mudanças aqui em casa aconteceram de um modo que eu não consegui enxergar até que fosse tarde demais. Um dia foram as compras do mês; no outro, as louças sujas. Hoje ela faz de tudo que jamais sonhara. Seria maravilhoso se fosse mudanças movidas pela força da vontade e não pela obrigação quase invisível que ele implantou.
Minha mãe estava com dificuldade de desossar o frango — acho que ela nunca nem tinha passado perto de um desse jeito. Eu pegue a faca da mão dela e disse:
— Deixa que eu faço isso.
Ela olhou para a porta de entrada da casa e ponderou antes e deixar que eu assumisse o seu lugar. Rapidamente terminei seu trabalho, ainda mais porque eu estava acostumado a fazer isso. Por anos cozinhei em casa, um pouco depois de termos caído no fundo do poço, nos últimos anos mais felizes da nossa família.
Eu tomei conta do jantar lentamente, tirando-a de todas as tarefas que ela poderia fazer ali. Queria que ela descansasse, que confiasse em mim e fosse tirar um tempo só seu. Mas ela continuou ali em pé, olhando sempre para a entrada, como se esperasse o pior. Mesmo sem falar nada, era visível como estava ansiosa. Sempre que eu chegava em casa cedo, ela tinha a mesma reação. Ela tinha medo de que o pior acontecesse se nos víssemos.
Seu medo palpável era real: algo poderia realmente acontecer.
— Mãe, hoje é quinta-feira, mas amanhã é feriado, lembra? — tentei tranquilizá-la. — Nossa cidade não vai ter nada funcionando. É como se o fim de semana já tivesse chegado.
Aquela mulher, na casa dos seus 50 anos, que tinha os cabelos quebradiços, usava uma roupa qualquer por estar em casa e ter perdido a vaidade sobre si mesma. Ela tirou o avental, sua armadura, consertando sua postura automaticamente, pois o peso de vestir algo tão simples, mas tão limitador para ela, saiu dos seus ombros. Seus olhos brilharam, felizes pela primeira vez naquele dia provavelmente, realçando também as olheiras embaixo deles de noites mal dormidas ou de cansaço.
A figura dela em paz— no mais em paz que conseguia ficar — sempre acalentava meu coração.
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A REPÚBLICA DOS REJEITADOS - O Clichê Elevado Ao Normal
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