Formigas - cap. 3

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- Nossa, seu sorriso é lindo - foi o que a menina estranha disse.

- É. - foi o que eu respondi.

Encontrei meus amigos no mesmo lugar de sempre no intervalo. Atrás da escola, num banquinho escondido. Tudo era insuportavelmente igual, todos os dias, mas hoje tinham duas pessoas a mais.

Lionel e Brenda são primos e se mudaram não sei por quê, não prestei muita atenção.

Isso normalmente irrita todos que eu conheço, simplesmente me desligo quando as pessoas falam e não entendo nada. Mas eu juro que não é de propósito.

- Sam, você tá bem? - Nelly pergunta baixinho.

Encolho os ombros.

- Por que não estaria?

- Sei lá, tá tão quieta hoje.

Nelly é a pessoa mais carinhosa que eu conheço e isso às vezes me irrita. Ela percebe facilmente mudanças no humor das pessoas e começa a fazer perguntas.

Esboço um meio sorriso - É só o sono. - Na verdade eu quase nunca sinto sono, e isso é estranho porque eu adoraria dormir por mais tempo pra sonhar mais.

Gustavo, meu melhor amigo e parceiro, a chama pra mostrar uma nova música e eu fico em silêncio, observando os alunos novos.

Os dois eram diferentes, mas parecidos ao mesmo tempo. Ela tinha mais um estilo fofinho de quem gosta de desenho animado, e ele era mais emo, com o seu cabelo liso e escuro, caindo pelo rosto. O que me lembrou do meu cabelo despenteado. Então peguei meu lápis e o prendi num coque.

- Agora dá pra ver melhor o seu rosto - Brenda disse enquanto seu primo mexia no celular. - Mas seu cabelo te proporciona uma aparência rebelde, mostra uma ferocidade. É bem legal.

- Valeu?

Ela sorri e cutuca Lionel. - O que você acha, Li?

Ele levanta a cabeça com uma expressão confusa no rosto.

- Deixa quieto então. - ela diz rindo - Você tá sempre no mundo da lua!

O sinal toca e eu me afasto sem falar com ninguém. Só mais três aulas e eu sairia da escola, eu estaria livre.

Nem tão livre assim.

Digamos que meu "lar" não se pareça tanto com um lar. E isso me quebra. Odeio ficar com essas pessoas que são incríveis e odeio não conseguir ficar sem elas, mas também odeio ter que voltar pra casa. Onde pessoas odiáveis me esperam. Acho que finalmente sei do que sou feita: puro ódio. E rancor e fúria e... tristeza? Não, não posso me sentir assim. Eu tenho um futuro bom me esperando, sei que as oportunidades estão atrás da próxima porta e coisas grandes me aguardam. Eu sei disso. Tem que ser assim, não tem?

Afinal, eu me esforço pra aprender tudo, tiro o máximo de proveito dos estudos, dos livros...

A questão é: A quem estou tentando enganar?

Como essas pessoas podem andar na mesma direção, aos montes, sem se importar com o futuro? Sem perceber que andam como formigas desesperadas?

Meu Deus!

- Ei, Samantha! - Gustavo coloca a mão no meu ombro e eu me viro - Tá com raiva de mim?

Estamos parados no meio das formigas desesperadas, enquanto elas seguem o fluxo, ele não tira a mão do meu ombro e eu me sinto estranha com aquilo.

- Claro que não, parceiro. - sorrio e ele abaixa o braço.

- Que bom! - ele revira os olhos e continuamos a andar - Por que hoje é dia de matar uns zumbis online!

- É mesmo? - brinco.

- É Left four dead, querida!

Ele é uma pessoa horrível por me fazer achar que existem pessoas legais no mundo.

Só peço um motivo, um motivo pra te odiar, Gus!

Pra não doer tanto no dia em que algo trágico acontecer.

Não se apegue demais! E não deixe que o mundo te estrague, Gus. Pode valer a pena!

Tem que ser assim. Não tem?

Quando os pardais se aquietamOnde histórias criam vida. Descubra agora