Sons e sentimentos - cap. 8

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Felizmente eu sobrevivi às perguntas feitas por professores e adolescentes curiosos durante as três últimas aulas. Foi até fácil, considerando que nenhum deles tinha contato frequente comigo.

Depois, foi só colocar meus fones e dar play num rock qualquer que eu calei o mundo. Tudo virou um borrão, eu queria esquecer de mim mesma e pensar em coisas sem sentido como sempre. Tudo virou um som, as pessoas viraram sons, as mesas e as cadeiras, meu caderno e as canetas, até a lousa virou som de bateria. Eu também virei um acorde e tudo se misturou, com cores, como num furacão de sons, e eu só queria me perder por ali e ficar sozinha, odiando e amando o mundo todo.

Mas quando dei por mim já era hora de ir embora e tirei meus fones. No portão me despedi de Nelly que sempre vai de ônibus e avisto Gustavo com Brenda e Lionel.

- Vocês vão com a gente? - Brenda pergunta pro Gustavo e Lionel a empurra de leve - Ah, esqueci que a gente tem que...

Ela hesita e Lionel completa: - Vamos na casa de uma amiga da Brenda.

- Tá legal - Gustavo diz - Até amanhã então.

- Tchau, gente! - Brenda ainda grita antes de ser puxada pelo primo.

- Estranho. - Gus diz e começamos a caminhar na mesma direção - Podemos conversar agora?

Sinto vontade de correr, de gritar com ele, mas algo dentro de mim se recusa a magoa-lo de qualquer jeito.

- Gus...

É simples, eu não posso ter mais motivos pra ficar. Eu não posso aguentar mais tudo isso.

- Samantha, me deixa falar e depois você faz o que você quiser  - ele diz e eu me surpreendo com seu tom de voz - Já faz um tempinho que eu quero falar com você, mas a gente tá sempre com a Nelly e agora tem a Brenda e o Lionel, e eu não acho certo falar por celular.

- Pode falar agora. - eu não quero ouvir, mas se era disso que eu precisava pra acabar com aquele momento...

- Eu tenho prestado atenção em você, Sam. E eu percebi que alguma coisa mudou muito no seu jeito, na verdade é no jeito como eu te vejo, entende?

Eu paro de andar e ele também. Ele também percebeu. Então eu não estava errada, eu nunca estive, sobre nada.

Não faça isso, Gus. Você não pode!

- Eu achei que fosse algo passageiro, sabe? Como uma ideia idiota que logo passa. Achei que eu iria rir ao lembrar disso, como numa piada. - ele se virou pra mim e eu continuei encarando o chão - Mas quando eu te vi mal, hoje, eu me senti péssimo, eu fiquei preocupado de verdade. E eu soube que...

"Que eu já não te vejo como um jogador - ele deu uma risada nervosa e passou a mão por seu cabelo curto - Já não sei mais o que dizer... Então, Sam, é isso. Eu gosto mesmo de você.

Não. Ele não podia fazer isso comigo.

Você tem que ser odiável, Gustavo!

- Fala alguma coisa! - ele diz e eu recomeço a andar - Por favor, Sam.

Me viro bruscamente, com os olhos marejados e ergo meus punhos fechados na sua frente. Ele se assusta, de início, mas depois ele segura meus braços e eu abro minhas mãos, me rendendo.

Tudo o que me corroía por dentro, tudo o que eu guardava comigo, todo meu medo de que alguém quisesse fazer parte disso.

- Desculpe, Gus. - eu digo - Eu nunca te contei nada. Eu sou uma mentirosa, Gus. Tá acontecendo tanta coisa!

Ele me puxa e me abraça. Pela segunda vez na vida, Gustavo me abraça. E seu abraço é totalmente o oposto da música. Tudo se silencia ao redor, posso sentir sua respiração e as batidas do seu coração.

Aquela paz talvez fosse necessária. E boa.

- Eu posso te ajudar, Samantha, eu sinto que tem muita coisa que você esconde, mas com o tempo você me conta. - ele segura meu rosto e seus olhos verdes nunca estiveram mais verdes - Você só precisa confiar em mim.

E ele encosta seus lábios nos meus. Sinto seu toque suave e ele me beija como se eu fosse frágil e pudesse quebrar a qualquer momento.

Eu tive a certeza de que amava ele neste momento.

De repente me sinto mal e coisas horríveis passam pela minha cabeça. O que eu tô fazendo? Me desespero e me afasto, interrompendo meu primeiro beijo de verdade.

- Foi mal - sussurro antes de sair correndo.

E eu nunca tive mais vontade de estar em casa, em meu quarto e na minha cama.

Quando os pardais se aquietamOnde histórias criam vida. Descubra agora