Capítulo 63 - Friday

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Sexta-feira.

Se eu tivesse um pouco de ânimo, criaria notas diárias sobre como a vida adulta não é algo que se supera em algum momento. Fiz uma projeção e vi a mim mesma em um futuro reclamando sobre meu presente no futuro.

Li, certa vez, a seguinte frase: "Acusando-nos, sentimos que ninguém mais tem o direito de nos censurar. É a confissão que nos absolve, não o sacerdote.". Sendo assim, sinto-me no direito de reclamar sobre mim mesma, criar meu próprio caminho, me criticar e decidir se estou ou não correta. Caso a necessidade apareça, busco ajuda. Caso a necessidade apareça, mas a vontade não, não peço ajuda. Somente o fato de falar para o vento poderia me ajudar.

É como a decisão de fazer algo por conta própria em um dia comum. A ânsia de mudar a rotina e ao início do dia pensar "hoje, eu mesma vou comprar as flores". É a falsa independência que sentimos ao nos libertar por alguns minutos de nossa rotina. É a forma que encontramos de ter liberdade e autonomia num ambiente evidentemente controlado. É a falsa liberdade.

— Amor, eu venho buscar você.

Concordei com a cabeça, retirei o cinto de segurança e olhei para Camila antes de seguir meu rumo.

— Estarei esperando. — Respondi, segurando a mão livre dela e deixando um beijo em cima do anel.

— Devo aparecer com uma cara de má ou de gentil?

Ri com a pergunta. Camila, mesmo depois do nascimento da filha de Dinah, não havia tirado da cabeça o e-mail que recebi no dia anterior e que citava disponibilidade.

— Sua intenção é ser rude, correto? — Perguntei e ela assentiu.

— Ok. Entendi. Vou treinar.

Revirei os olhos e sorri. Deixei mais um beijo na mão dela.

Desci do carro e esperei que ela partisse com ele. Geralmente era o contrário, mas dessa vez eu estava tão cansada que precisei de alguns segundos para me mover. Na noite anterior a filha de Dinah nasceu, ficamos toda a noite e madrugada no hospital, nos revezando entre berçário e quarto em que Dinah estava. A empolgação tomou conta de cada uma de nós, somente quando Caleb avisou que precisava ir para casa se arrumar, às 6h, é que percebemos que precisávamos ir também, já que o bebê nasceu em um dia de semana.

Um sorriso escapou dos meus lábios ao lembrar do parto que presenciei. Era exatamente como vi em um documentário, é claro que ver regiões íntimas de Dinah não estava em meus planos, mas era um trauma que eu teria que carregar para sempre se quisesse comprovar que um parto normal acontecia de forma tão espontânea.

Comecei a seguir para dentro do colégio, mas sentia meu corpo moído. Tudo doía, meus olhos pesavam, precisava dormir e pensava que logo poderia estar em minha cama, mesmo sabendo que só faria isso à noite.

Não era o pior emprego do mundo, mas não era o melhor. Era uma profissão que eu tinha a absoluta certeza e nenhum resquício de dúvida de que era importantíssima, mas não era a que eu queria para mim. Tinha planos para deixar de ser professora o quanto antes. Minha capacidade interior social implorava por uma profissão sem tanto contato humano direto.

— Senhorita Jauregui! Senhorita Jauregui!

Respirei fundo, contei até 7 porque até 3 não era o bastante e virei-me. Sabia que era um aluno da turma da tarde, só não sabia o nome.

— Sim? — Respondi da forma mais educada que pude e que tentei.

— Ouvi dizer que a senhorita irá aplicar um teste surpresa na aula de hoje. É verdade?

E lá estava uma das perguntas que eu mais detestava.

— O que a palavra "surpresa" significa? — Perguntei, de certa forma carinhosa.

Parece Mais Fácil Nos FilmesOnde histórias criam vida. Descubra agora