Estranho mesmo é isso de morrer. Sabe, de repente... Ponto final. Estranha ironia essa da vida, não é? Passamos pela vida como se não fôssemos morrer jamais. Os outros morrem, os avós morrem. Às vezes os pais morrem e até os filhos, numa espécie de macabra inversão, mas nós não.
Não morreremos nunca.Fazemos dieta, depois engordamos, aí fazemos dieta de novo.
Corremos na esteira para comer o pudim depois do almoço. Pintamos o cabelo, pintamos a cara, esticamos o cabelo, esticamos a cara. E tudo para quê? Bobagem. O ponto final vem e tudo finaliza, estejamos nós de cabelos e caras esticados ou não, pouco importa. Nada importa.
Morreremos simplesmente.Em um momento estou aqui. Estou vivo. Sinto, penso, sofro, choro, gozo, durmo, acordo, defeco, amo, odeio, invejo. No outro, nada. Nem sentimento, nem pensamento, nem sofrimento. Talvez apenas inveja. Inveja dos que ainda vivem. Ou não. Talvez sarcasmo.
Sarcasmo aos que ainda vivem. Pobres iludidos. Perdidos aí em suas tristes vidas de se acharem imortais. Correndo aos salões de beleza e aos supermercados. Tão preocupados com a conta de luz, a conta do telefone, a conta da TV a cabo, a conta, a conta. Depois, ainda temos de pensar na conta da funerária.
O problema é ver-me morto. Deitado em um caixão, mãos sobre o peito, cara de morto. Cara de morto? Mas qual deve ser a cara de um morto? Ninguém nos ensina nas escolas da vida qual cara devemos ter na morte? E a maquiagem? Deverá combinar com o sem cor dos lábios mortos, ou, ao contrário, deve trazer cor a tais lábios?
Estranho isso de ficarmos todos iguais no caixão. Por que as mãos? Por que os pés juntos? Por que não posso ficar sentado, olhando as pessoas no meu velório? Isso de ficar imóvel demais sempre me cansou.
Estranho ser tão igual a todos os defuntos a que velei enquanto vivi. As diferenças que inventamos também morrem com a morte.É ridículo estar morto e exposto à visitação pública como peça de museu. Pior, museu de muito mau gosto e, se demorarem demais as visitas, muito mau cheiro. Por que fedemos? É ridículo feder. Na vida, vivemos disfarçando nossos fedores. Devia haver algo para o fedor de morrer.
Agora que aqui jazo, fico pensando nas minhas tolices. Meu Deus, quanta bobagem falei, fiz, pensei. As que só pensei pelo menos carreguei comigo, mas as outras, ah, as outras! As que fiz estão feitas e as que falei, rogo aos céus para que os que as ouviram as tenham esquecido. Penso que sim. Brevemente se esquecerão de mim também. Ainda bem. Quem sabe assim, eu até eu consiga esse tão esperado descanse em paz. Paz? Que paz pode haver morrendo, apodrecendo entre micróbios? Que horror! Viver pode ser humilhante, mas nem de perto se compara a morrer.
Aproximam-se agora os homens com a tampa do caixão. Ainda bem. As pessoas já estão enjoadas do defunto, já não suportam mais essa minha cara de morto e essa minha teimosia estática em continuar morto. Está bom, basta! Todo mundo já viu que você morreu, então, ótimo, já podemos ir embora, seguir nossas vidas de vivos e você que morra mesmo!
Enfim, lacrado em meu caixão, livre dos olhares investigativos dos vivos, tentando descobrir como é estar morto, posso relaxar. Posso deixar essa minha postura ereta e artificial e posso até bocejar.
Ah! O alívio de estar sozinho no meu caixão...
Só desejo agora que sejam rápidos os micróbios.
Leandro Luz
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Marcas Na Parede
HorrorContos sobrenaturais de suspense e de terror. Este livro não é de minha autoria, vim compartilhar esses contos que gosto com vocês, espero que gostem também.