A Iniciação

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Alfredo trabalhava no Cassino da Urca, no Rio de Janeiro.
Cuidava de uma das mesas da roleta espalhadas pelo amplo recinto. Na sua condição de reles serviçal ali, nosso personagem habituara-se a ver jogadores inveterados, num piscar de olhos, perderem o dinheiro de uma vida toda de sacrifícios; mas não se condoía da sina desses jogadores, só cobiçando as verdadeiras fortunas, dinheiro desviado dos cofres públicos, que figurões da política e mafiosos metiam pelo ladrão sem experimentar o menor pesar da face a seus lances de azar.

Agora, o que punha Alfredo à beira de um ataque de nervos eram mesmo os caprichos da sorte que, vez ou outra, faziam de um remediado o mais novo milionário do Rio de Janeiro. É que uma ambição desenfreada motivava Alfredo; assim, invejava doentiamente aqueles que o jogo, de uma hora para outra, tornava ricos, aí residindo seu único objetivo na vida — ansiava enriquecer e, para a consumação de sua ambição, estava disposto a qualquer sacrifício. Deste modo, procurando não despertar a atenção de sua chefia, a pretexto de ajudar clientes do cassino que se mostrarem um tanto desorientados, investia em incursões bastante discretas, visando​ granjear a simpatia e a confiança dos jogadores.

A luta de Alfredo, naquele momento, era contra o relógio.

Sabia que seus tempos de Cassino de Urca estavam com os dias contados, já que a maneira diferenciada como recebia os clientes em sua mesa de jogo tornara aquela roleta viciada, sempre atraindo os mesmos fregueses e até por ser a única no cassino todo a dar prejuízo.
Uma sindicância já havia sido aberta pela direção, só não tendo apurado até aquele momento a participação de Alfredo no episódio porque os auditores priorizavam ao máximo a privacidade dos jogadores ao abordá-los.

Debalde os esforços que empreendera, Alfredo não havia conquistado ainda uma amizade no seio de seus clientes, que, habitualmente pragmáticos, não deixavam entrever uma oportunidade lá fora que estivessem à altura de conceder e fizesse Alfredo subir espetacularmente de vida.
Tudo começou a mudar para Alfredo em uma determinada noite de rigoroso inverno.

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— Sente-se, por favor, meu senhor. Sinta-se à vontade.

— Obrigado, meu jovem.

— Só precisaria saber seu nome completo. Desculpe-me, mas são normas da casa...

— Não se preocupe. Na verdade, venho em nome de uma sociedade, um clube, por assim dizer... Participarei das rodadas jogando por esse clube ao qual pertenço e representarei aqui...

— E como se chama esse seu clube, senhor?

— Sociedade dos Cem Irmãos.

— Obrigado pelas informações e bom jogo!

Alfredo notou que a cada veredicto da sua roleta, quando metia muitos jogadores em desdita, assim como ocasionalmente cismava de premiar alguém, o olhar de seu debutante na mesa de jogo, tão logo atestava ele o desfecho da rodada, convergia imediatamente para ele, Alfredo, como se o novo personagem naquele cenário estivesse imbuído do propósito de sondar as mínimas reações do funcionário do cassino diante do fracasso de tantos e da ventura de uns poucos. Algo inusitado, mas que não violava as normas de funcionamento do Cassino da Urca, então, ocorreu:

— Meu jovem, acompanha-me ao bar para um drinque?

— Ah, sim... — respondeu algo atabalhoadamente Alfredo, posto ter sido aquela a primeira vez que alguém lhe fazia semelhante proposta.

Uma euforia passou a dominar o rapaz, já que, por que não, aquela tal Sociedade dos Cem Irmãos poderia ser seu passaporte para uma vida na opulência. Providenciou um substituto para controlar temporariamente sua roleta, enquanto dirigia-se ao bar com aquele jogador especialmente importante para ele, perpassando-lhe a mente uma torrente de pensamentos desencontrados. Até lembrou-se de muito ter ouvido falar do papel de sociedades secretas na ascensão de seus adeptos, mas, por fim, lhe ocorrendo que o desconhecido poderia perfeitamente tão apenas querer jogar conversa fora, procurou serenar o íntimo.

Marcas Na ParedeOnde histórias criam vida. Descubra agora