Ser o inteligente e certinho da sala de aula é um saco!
Durante as provas, o indivíduo necessário para se passar a primeira cola, a qual é compartilhada pelas costas do professor. E os trabalhos em grupo? Todo mundo te chama, o único momento em que você se sente popular. O motivo? Querem que faça o trabalho todo e apenas acrescente os integrantes do grupo no final. Fantástico, não é? E quando simplesmente não precisam de você, te zoam até falar chega.
Assim era a rotina de Rafael Duarte. Estava acostumado a ser o ditador dos trabalhos em grupo e a fonte da cola nas provas. Mas os colegas abusavam demais dele. Ocorrera em 2013 quando Leonardo tirou uma nota maior que a dele num exame importante. Aí já era extrapolar os limites do bom senso. Porém ele descobrira a verdade muito tempo depois, em um acampamento de férias. Leonardo furtara as respostas na sala da direção.
Não valia à pena denunciar o rapaz. E a amizade entre eles acabou após as férias de verão. No entanto a turminha do Leonardo não deixaria o nerd em paz no ano posterior. Diariamente Rafael era provocado, sendo alvo de bolinhas de papel, empurrões na fila da cantina e desenhos ofensivos de sua pessoa no quadro negro. Uma vez o desenharam nu, com um corpo esquelético, um par de óculos exageradamente grande como os que o Zé Bonitinho usava e um órgão sexual minúsculo, menor que as das esculturas gregas. Ele não reagia, muito menos com violência. Sua desforra vinha com o tempo, quando tivesse oportunidade. Como uma vez que revelara ao diretor o namoro de dois colegas, Anderson e Dayse, escondidos na quadra de esportes. A suspensão do casal foi imediata.
Agora não tinha argumentos para se livrar das zoações. O que os colegas faziam incomodava, mas não era grave o suficiente. Como ele gostaria de registrar no celular algum otário fumando maconha no banheiro, durante uma aula chata de matemática. Seria uma boa vingança no novo ano letivo.
Porém tudo que ele achava no banheiro eram provocações. E os caras ainda queriam meter-lhe medo com a famosa história da loira do banheiro. Uma vez o cercaram em um mictório. Seu pênis ficou ainda mais encolhido na presença dos marmanjos. Enfiou-o sob a cueca antes mesmo das famosas chacoalhadas. Os alunos haviam acabado de regressar da quadra de basquete. Eram altos e atléticos. O líder do grupo chamado Gerson Alves, prostrou-se atrás de Rafael; suas fungadas no pescoço do rapaz eram nauseantes. Duarte girou nos calcanhares fitando o chão, enquanto fechava a braguilha da calça. Sabia que não havia chovido há mais de uma semana, mas ousou perguntar em tom despretensioso:
− Andou pisando em poças de lama, Gerson? Suas calças estão puro barro!
− E daí? Vou tomar banho e trocar de roupa mesmo! – ele intimou; os três colegas franziram o cenho. A quadra estava limpa e a única área em reforma na escola apresentava um solo arenoso e seco como um deserto.
− Bem, se fizer o favor de sair da minha frente posso voltar para a sala de aula.
− Fiquei sabendo que você já ouviu a famosa história da loira do banheiro e que tem um amigo que adora contos de terror...
− Se está se referindo a Berilo Montez, saiba que não falo com ele desde o início do ano. E já estamos no mês de março! Talvez ele tenha contado essa história, mas não é invenção dele. Todo o mundo conhece!
− E você é um dos que tem medo, acertei?
− Claro que não! De onde saiu uma asneira dessas?
− Então prove! Chame a loira do banheiro. Entre no último box, chute a privada três vezes, fale três palavrões e aperte a descarga três vezes. Não vai sair deste banheiro enquanto não fizer isso!
Em comparação com várias outras humilhações, aquilo era brincadeira de criança. Seria mais divertido arrancarem as calças dele e mantê-lo dentro do banheiro feminino. Em vez disso só ia se expor ao ridículo pra quatro jogadores de basquete suados e de QI bem inferior. Ele se trancou no box e seguiu todas as instruções de Gerson. As gargalhadas dos quatro adolescentes se sobressaíram ao ruído das descargas. Fora os chutes no vaso sanitário que fizerem seu dedão latejar.
De repente tudo ficou quieto. Rafael até torceu para a loira ter aparecido e espantado aqueles idiotas. Então o chuveiro do box ao lado foi ligado. Gerson parecia estar tomando seu banho. Rafael saiu do banheiro sem falar mais nada. Por sorte não teria a próxima aula com aqueles trouxas.
Ao voltar para casa, a mãe e o esperava com o almoço servido. O pai foi buscá-lo de carro no colégio, porém o rapaz havia saído cinco minutos antes e embarcado num ônibus. Já seria mais humilhante ter que ouvir no dia seguinte coisas tipo: Papai tem que vim te buscar, senão o menininho se perde no caminho, hahaha. Tudo bem, ele aguentaria como sempre fez, como se prestou a chutar o vaso sanitário e dizer em voz alta caralho, boceta e cu, palavras imperdoáveis na boca de um rapaz intelectual que respeita todo o mundo. Poderia usar de seu vocábulo culto e trocar as palavras respectivamente por pênis, vulva e ânus. Mas isso não tiraria tantas gargalhadas dos que o aguardavam do outro lado da porta do box. Resolveu esquecer, foi lavar as mãos para almoçar ao ser recebido com um beijo estalante de Ana Cristina, que deixou um contorno úmido da saliva em sua bochecha.
Quinze minutos depois o pai chegou, frustrado por ter gasto gasolina sem necessidade e ainda voltar com o para choque sujo de barro. Disse que o limparia após o almoço. Deu uma geral no carro à tarde, usando uma esponja, uma flanela e um balde com água. Não gostava de usar a mangueira porque era economista e a falta de água era um risco. Mas o para choque já estava limpo antes do início da lavagem. Estranho.
Após horas em frente ao computador e os livros, Rafael tirou os óculos e se deitou. Um dia cheio o aguardava no colégio. Certamente Gerson e seus seguidores encheriam seu saco devido a presença de seu pai vindo buscá-lo. Isso não ocorria com muita frequência, mas Paulo Duarte adorava ser prestativo quando ia comprar algo na cidade, em uma loja próxima a escola. Escolhia propositalmente o horário do término das aulas para isso.
O que o jovem Duarte não esperava era que a madrugada seria mais intensa e mudaria completamente suas perspectivas para o próximo dia de aula. Já havia adormecido; ou pensava estar dormindo, quando uma figura loira, alta, magra e trajando apenas uma camisola branca entrou no quarto. O abajur de seu criado mudo jogou uma luz pálida que definiu os contornos esbeltos da mulher. Não podia ser sua mãe, que apesar de ainda estar na flor da idade, já passava do peso ideal. Ana não chegara aos quarenta e tinha uma cabeleira negra.
Rafael deu um sorriso malicioso para imagem embaçada que via. Reconheceu a figura como a mulher de seus sonhos eróticos de adolescente tímido, os quais mantinha selados no seu subconsciente. Porém sofrera uma certa invasão de privacidade sem se dar conta disso. Jogou um beijo para a mulher, que retribuiu exibindo lindos dentes brancos. Um sonho maravilhoso, que fazia a gozação dos colegas ser um fato distante e sem importância. Alguém o estimulava na sala de aula. Uma aluna chamada Dayse Silva. Porém já tinha namorado, um bagunceiro chamado Anderson Souza, a verdadeira antítese de Duarte. Uma moça jovem e tão linda, mas com um péssimo gosto para homens.
A loira de seu devaneio era parecida com Dayse, porém de uma aurora mais angelical, sem nenhum defeito físico de uma adolescente, como cravos, espinhas e unhas quebradas. Ela ficou de joelhos na cama de Rafael. Ele sentiu o colchão reagir, as molas se espremendo com um rangido alto. Uau, nunca tive um sonho tão real! Ela chegou bem perto; o rapaz então notou seus olhos azuis e hipnotizantes. A loira puxou seu calção do pijama e a cueca, revelando à penumbra do quarto um órgão rígido que martelava de excitação; a glande já úmida de um líquido viscoso e transparente. Ela ergueu a camisola, exibindo desde o umbigo saliente, percorrendo um ventre atlético até uma espécie de boca, numa posição horizontal, cercada com uma fina camada de pelos.
Rafael só vira o órgão sexual feminino em livros de anatomia, sem nenhuma conotação pornográfica explorada nos filmes que os colegas de classe assistiam as escondidas nos celulares. Ele estava tremendamente excitado, nunca tivera um sonho tão intenso e por isso sabia que ia acordar suado e sujo de esperma. Geralmente experimentava cenas de sexo vista em terceira pessoa; uma demonstração ao vivo dos filmes que uma vez o forçaram a assistir. Ele demonstrou repulsa e vergonha na ocasião, mas lá no fundo gostara.
Agora desfrutava de um sonho erótico em primeira pessoa, no escuro de seu próprio quarto. Em um curto estágio de medo sua mente visualizou o aparecimento de seus pais bem na hora H. Mas seus olhos nada viram, nem seus ouvidos detectaram passos no corredor. A loira separou as pernas sentando-se delicadamente no ventre do jovem, de forma que os órgãos sexuais conversassem. Rafael sentiu a penetração; seu pênis vibrou como uma criança entrando num parque de diversões. Uma criança peralta e faminta que desejava desfrutar de todos os brinquedos ao mesmo tempo. Correu pra lá, pulou aqui, esfregou-se nas paredes, gemendo. A dona do parque também gemeu, com aqueles arquejos femininos mais frequentes nos filmes pornográficos do que os diálogos. Rafael esbugalhou os olhos, agarrou os seios da loira com dedos longos e finos como gravetos. A sensação dos mamilos roçando a palma de suas mãos era maravilhosa e o fez atingir o ápice do prazer. A criança dentro do parque vomitou e a brincadeira precisava acabar. Por enquanto...
A loira nua deitou-se ao seu lado, afagando seus cabelos. Ele em troca ainda acariciava seus seios, sem se importar com o sêmen escorrendo por entre suas pernas. Logo poderia ejacular de novo se aquele devaneio não terminasse ou seu despertador tocasse. A figura sensual sussurrou ao seu ouvido:
− Foi perfeito, garotão. Você me chamou e vim ao seu encontro.
− Do que está falando?
− Ora, você me evocou no banheiro da escola, não se lembra? Disse três palavrões e os palavrões me excitam. Eu gemeria mais se dissesse alguns durante nossa transa.
Rafael franziu o cenho. Como podia imaginar que aquele sonho perfeito acabaria fazendo-o se lembrar da tolice que fora obrigado por Gerson a fazer. Poderia ter se negado, mas preferiu voltar com os dentes ou os óculos intactos para casa. A loira do banheiro não existe, só estava na sua mente...e em carne e osso deitada ao seu lado.
− A crença popular me chama de loira do banheiro, mas na verdade posso estar em qualquer lugar, como neste quarto. – explicou a moça, ainda com voz doce e cálida.
− Você devia meter medo nas pessoas, mas comigo foi totalmente o oposto!
− Descanse, querido! Volto pra te ver sempre que puder.
Ela beijou-o na boca, provocando um toque de língua e tal como previsto, ele tornou a ejacular com a sensação erótica. A primeira transa e o primeiro beijo. Rafael imaginou se isso seria tão bom quando acontecesse de verdade, com uma mulher real. A loira se vestiu e saiu do quarto; a camisola se agitando pelo ar. Ele pensou em se levantar e seguí-la, mas o sexo literalmente o esgotara.
Quando o despertador executou seu trabalho, a luz forte do sol invadia o quarto através das persianas. Rafael acordou com a virilha grudenta e os pelos pubianos cobertos com resíduos de esperma ressequidos. Tomou um bom banho revigorante e foi aproveitar o café da manhã com um sorriso de orelha a orelha. Ana degustava uma xícara de chá, segurando-a com dedos visivelmente trêmulos. O marido segurava sua outra mão, carregando um semblante perturbado. Eles evitavam falar de conflitos conjugais na frente do filho, como se este ainda fosse uma criança que não entendesse desses assuntos. Isso era algo que o frustrava. Não, ele não queria que nada estragasse as maravilhosas lembranças de seu sonho. A mão saiu para o trabalho sem lhe desejar um bom dia. Seus pensamentos vagavam longe. Paulo limpou a boca com um guardanapo de papel e encarou o filho de forma intimidante. Rafael reagiu:
− Andaram brigando, pai?
− Não, filho. Só estou preocupado com ela. Durante a noite ela saiu do quarto e demorou a voltar. Imaginei que estava no banheiro, tendo uma cólica ou enjoo. Mas quando ela voltou, disse que não se lembrava de ter levantado e acrescentou estar com uma dor estranha na vagina. Vou marcar um ginecologista para atendê-la.
O coração de Rafael acelerou, mas de uma forma bem menos prazerosa da última noite. Como era um papo de homens, decidiu abrir o jogo.
− Vocês fizeram amor de forma bem intensa antes de dormirem, não é? – ele forçou uma risada conspiradora – Pode me contar, pai, sou quase maior de idade e já ouvi vocês no quarto. Eu não tenho namorada, mas sonho com esse momento...
− Suas cuecas, roupas de cama e sua mãe sabem disso, pois ela lava tudo! E a resposta é negativa, esta noite não fizemos amor! É sempre bom uma consulta de rotina, estou preocupado com a saúde dela!
O jovem Duarte foi ao colégio com a pulga atrás da orelha. Quanta coincidência! Ele quis provocar Gerson dizendo que sua brincadeira o fizera ter o melhor sonho de sua vida. Mas deixou isso pra lá.
A loira da casa o visitou mais vezes e o sexo rolava de maneira avassaladora. Experimentaram anal, oral, tudo o que a mente do adolescente permitia. Murmurava palavrões apimentando o ato, agradando o fetiche da loira. E não temia as famosas DSTs, já que era só um sonho. Como um sexo virtual, você não fica doente fisicamente, mas pode adquirir dependência. No caso de Rafael, não era só dependência.
Novamente no mesmo mictório do colégio, ele experimentou uma forte ardência no ato de urinar. Pensou em procurar um urologista, mas o que ia dizer...Não, senhor, nunca fiz sexo com nenhuma mulher real, foi apenas na minha mente Mas a dor era bem real. Gerson veio preparado para lhe aplicar outra peça, porém visualizando seu rosto pálido e suado, as olheiras profundas e manchas na pele, resolveu desistir. Rafael o provocou dessa vez:
− O que tá olhando? Pareço um fantasma, não é? Por que não me obriga a chamar a loira do banheiro de novo? Quem sabe dessa vez ela vem me conhecer...
− Do que tá falando, idiota! Nunca te pedi pra fazer isso...
Era tudo estranho! Aqueles sonhos maravilhosos estavam transformando sua vida real num pesadelo. Sua mãe agora se queixava de hemorróidas e feridas estranhas na boca. Eram coincidências demais. Paulo tinha sono pesado e aparentemente a loira aparecia num horário da madrugada na qual ele estava a plenos roncos.
Na véspera da consulta ao ginecologista, o jovem teve um terrível pressentimento. Será que minha mente está transformando Ana na loira da casa? Era Dayse quem deveria ter os sintomas decorrentes de noites de sexo sem proteção, todavia a aluna da sala parecia completamente saudável e alheia aos fatos. Rafael decidiu agir: quando os pais foram se deitar, ele pegou uma faca afiada usada para cortar carne e a escondeu sob o travesseiro. Na hora de se entregar ao prazer, ele desmascaria a loira da casa, perguntando exatamente de onde vinha. Da sua mente, ora bolas! Não, aquilo já escapara de sua mente há muito tempo. Era real!
Durante a madrugada, ela regressou, como ele havia esperado. Foi tirando a camisola exibindo aquele corpo escultural e excitante. Todavia, Rafael estava focado em seu objetivo. O pênis já nem era o mesmo e se encontrava em posição de defesa, encolhido e de cabeça baixa de pudor. Quando subiu na cama, ele a agarrou pelos ombros e a deitou, ficando por cima: Vamos fazer a posição papai e mamãe pra variar, sussurrou ele, ou melhor, filhinho e mamãe, sua mentirosa!
O sorriso da loira se dissipou. Ele tentou encontrar a faca, mas como ela estava por baixo, com a cabeça em posição paralela ao travesseiro, a tomou primeiro. Rafael foi empurrado e tombou no chão. Então gritou a plenos pulmões:
− PAI, PAI, ELA ESTÁ AQUI! A LOIRA DA CASA!
− Seu fedelho insignificante! Já brinquei demais com você! Vou partir pra outra aventura!
A loira deu um mergulho com a faca, certeira e letal. Dois, três, quatro golpes, acompanhados dos passos pesados de Paulo pelo corredor entre um quarto e outro. Quando invadiu o local privativo de seu único filho adolescente, o choque que sentiu o tomou por completo. A cabeça de Rafael rolou até seus pés, deixando um rastro de sangue. Ao lado da cama, o restante do corpo, com a faca encravada no topo da medula. Em cima, o corpo inconsciente de Ana Duarte, trajando apenas uma camisola branca.
Ninguém conseguiu entender a progressão de um sintoma ginecológico para um terrível surto psicótico, a ponto de fazer a mulher mutilar o próprio filho. Paulo jamais iria superar esse trauma e acabou internado com a mulher numa clínica por um bom tempo.
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Além da fogueira
HorrorBerilo Montez adora contar histórias de terror. Quando vai para um acampamento com seis amigos, vê a chance ideal de fazer o que mais gosta. Mas o que parece um ser alienígena cai na mata e começa a atacar o grupo de Berilo, transformando a diversão...