Reerguendo-me ou pelo menos tentando

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"Ninguém é eu, ninguém é você, esta é a solidão"

(Clarice Lispector )

 Me levanto da calçada, começo a caminhar novamente puxando minha mala de rodinhas, até que uma roda prende em um buraco, puxo com tanta raiva que acaba quebrando e resmungo indignada.

 ─ Ah que merda!

Fico tão puta da vida que jogo a mala com roupa e tudo na primeira caçamba de entulho que encontro.  "O que é uma mala com roupas pra quem já perdeu tudo?"  Fico só com minha bolsa em meu ombro.

Caminho mais um pouco ainda desnorteada e ouço uma voz.

─ Ei moça me dá um dinheiro? ─ É uma maltrapilha moradora de rua, eu acabei de jogar uma mala cheia de roupas fora, quando a vejo tenho até uma dor na consciência. E ela continua falando.

─ Moça parece que você não está bem? Porque está chorando? Quer conversar um pouco? 

 Olho para ela com cara de quem comeu o pão que o diabo amassou e digo:

 ─ Quero sim amiga estou precisando.

─ Ah então vamos sentar ali no cantinho, vem comigo. ─ Eu vou andando ao seu lado. E quando dou por mim já estou chorando, e ela começa a perguntar: ─ Qual seu nome moça?

─ Meu nome é Victória.

─ Nossa que lindo , é nome de rainha... o meu é Rose... O que aconteceu com você?

Conto toda minha história a ela. Conto tudo mesmo, minha mais nova Best- friend, me consola e quando percebo estou abraçada a ela chorando em seu ombro.

─ Não chore tanto, não vale a pena, eles não merecem uma lágrima sua Victória.

─ Não choro por eles... choro por mim, por tanto tempo que perdi, por tudo que deixei de fazer. 

 Rose me oferece uma bebida, que está no chão em um cantinho da calçada.

─ Quer uma bebida? Bebe, é cachaça da boa, dá uma golada e vai se sentir melhor. ─ E por incrível que pareça, eu dou uma golada.

─ Ah... que horrível!

─ Aceita um cigarro?

Ela pega uma lata pequena cheia de bitucas de cigarros de todos tamanhos e marcas.

─ Não obrigada eu não fuma, mas se quiser fumar pode ficar a vontade eu não ligo.

E enquanto Rose, fuma seu cigarro, me pergunta:

─ Será que agora que eu já te servi de ombro amigo, psicóloga e você deu uma golada na minha branquinha... você pode me pagar um lanche?

─ Claro que sim!

Entramos em uma lanchonete  perto de onde estávamos. Rose diz que quer  um X Tudo, com tudo e mais um pouco e um refrigerante de dois litros também. Eu dou um sorriso e peço apenas uma água com gás, estou com o estômago embrulhado de tanta safadeza daqueles dois cretinos, não vou conseguir comer nada. Algumas pessoas ao redor, nos olharam com reprovação, mas eu nem ligo.  "Foda-se!"

Resolvo perguntar sobre sua vida, me dá curiosidade em saber.

─ Rose por que você mora na rua? ─ Ela baixa a cabeça, demora um pouco e me responde:

─ É que quando deixei a penitenciária, eu não tinha mais pra onde ir e acabei ficando na rua . 

Eu me assusto um pouco e pergunto:

─ Mas... o que você fez de tão grave pra ir parar na penitenciária?

─ Fui condenada por tentativa de homicídio. ─ Eu quase engasgo com minha água.

 ─ Quem você tentou matar?

─ Meu ex marido, peguei ele na minha cama com a vizinha de barraco, mas na hora sai de mansinho, fiz de conta que não vi nada. Aí no dia seguinte fiz a marmita dele e coloquei veneno de rato... Mas coloquei pouco, devia ter colocado mais né? Ele ficou alguns dias internado e ainda deu queixa pra policia, aí fiquei com mais raiva e coloquei fogo no barraco. Não teve jeito fui presa!

─ Nossa!!! Você é doida!

Eu começo a rir muito e em seguida me lembro da mala que joguei.

─ Ah, Rose antes que me esqueça, eu joguei uma mala com roupas em uma caçamba, ali perto de onde nós estávamos... Se quiser pode pegar... se der sorte, porque já faz um tempinho.

Ela me encara, de uma forma estranha e diz:

─ Posso ver sua mão Victória?

─ Oi? Mi... minha mão... Por que?

─ Quero ver uma coisa. ─ E então lhe dou minha mão. Ela abre a palma, passa sua mão na minha e começa muito séria.

─ Sua mão me diz que você ainda não encontrou o verdadeiro amor da sua vida, portanto não chore mais por esse idiota do seu ex e por aquela vagabunda. Ah e tem mais, você já o conhece.

Solto em uma gargalhada.

─ Agora além de confidente, psicóloga, ombro amigo você também é cartomante?

─ Não! Eu sou quiromante.

─ Você é cigana ou fez curso pra ler a mão das pessoas? ─ E continuo rindo.

─ Não minha amiga. Eu aprendi na cadeia, lá a gente aprende de tudo mesmo.

─ Ah, sim entendi!

Engulo o riso e  me lembro que preciso ir embora, vou pra casa de minha mãe. Quando chegar vou ter que explicar tudo a ela. O pior é que sei que vou ouvir muito. Ela nunca aprovou minha relação com Otávio.

─ Bom Rose, preciso ir. Ah... não se esqueça da mala que está na caçamba.

Me despeço e dou algum dinheiro para minha amiga, nem sei o quanto. Sigo em direção ao ponto de táxi, entro em um automóvel que já está parado. Vou para a única casa que sei que tenho neste momento. Continuo rindo do que Rose me falou. 

  Eu hein... Me apaixonar... nunca mais.

A Lista (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora