CAPÍTULO 07 - Cinzas ao Vento*

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Para religiões do ocidente queimar o cadáver de um ente querido é purificação de seus pecados, uma prática consagrada, o fogo tem a função de separar o corpo da alma. Essa fora a escolha de Lenna, assinada previamente em documentos que demonstravam seu desejo — no Brasil precisa-se manifestar em vida este desejo — depois de duas horas em uma fornalha a 1200 graus, capaz de vaporizar células do organismo humano, apenas partículas inorgânicas como os óxidos de cálcio, que formam os ossos, resistem à onda de calor. Esses restos são colocados no chamado moinho, uma espécie de liquidificador que tritura os ossos com bolas de metal que chacoalham de um lado para o outro.

May levou as cinzas, — que estavam em um vaso de cerâmica — para o mar e as semeou sobre as ondas entre meio as lágrimas e lembranças do sorriso da mãe. Tudo havia sido planejado anteriormente, Lenna era uma mulher forte e May tinha essa consciência, herdara dela não somente a melanina, mas o coração justo e era essa justiça que seu sangue clamava em suas veias. Faria justiça.

Hugo a aguardava paciente no automóvel que ficou numa distância considerável de onde May fazia sua despedida. Apesar de não ser religiosa, era possível escutar uma oração sendo pronunciada por May. Hugo estava sob o sol de um domingo ensolarado, ironicamente, um dia feliz, o som de gaivotas revoltas sobre um mar calmo pareciam conduzir e receber o espírito de Lenna.

Hugo prestava atenção em May — aquela mulher que pouco sabia a respeito — despertava-lhe sentimentos e desejos que não conseguia explicar. A pele de May, olhos e boca, vinham constantemente em sua mente, instigando conhecer mais a respeito daquela mulher misteriosa.

— Vamos Hugo — disse May quase inaudível.

— Para o Villages, senhora?

— Não. — Respondeu rapidamente, mas ainda não sabia para onde. O olhar de May estava entristecido e Hugo podia sentir essa tristeza que invadia e transbordava naquela tarde de domingo — não sei para onde Hugo, — diz enquanto olha para o mar — leve-me por aí — completa finalmente — sem destino, sem direção.

Hugo sentou-se no velho automóvel, May no acento traseiro — definitivamente ele não conseguia explicar essa atração, queria abraça-la, protege-la, mas nunca fora bom em confortar quem fosse que seja. Permaneceu em silêncio. Seguiram em direção as Dunas de Portal das Pedras, um local próximo ao Villges Hotel e que possuía uma paisagem ainda mais bela.

— Aqui está bom Hugo, pode parar por aqui — pedi, enquanto desce do veículo e contempla a paisagem, uma imensidão de areia branca.

— Sinto muito pela sua mãe — diz Hugo sem olhar para May, encostando-se no carro ao seu lado — espero que tudo fique bem, também perdi pessoas que amava e eram importantes — conclui virando-se para May. Os olhos se encontram e parecem comunicarem bem melhor que as palavras. May realmente uma mulher linda — Hugo podia sentir o cheiro da colônia amadeirada que o vento soprava até suas narinas o deixando com pensamentos contraditórios.

— Obrigada, Hugo — balbucia May — os olhos ficam a se conectarem por breves segundos, — que para May pareciam durar bem mais que aquela fração de instantes — sentirei saudades — completa retirando mechas de cabelo que o vento insistente lhe colocava bruscamente sobre os olhos — Aqui foram os melhores anos da minha vida — conclui num sorriso, que mesmo sem vida, lhe ilumina a face.

Hugo não resistindo aqueles olhos tão perfeitos que misturavam o azul do céu e o castanho da íris de May se vira abruptamente e toca gentilmente os lábios daquela mulher que o extasiava completamente. Tinha estado com outras, clientes eram quase sempre oferecidas, mas com May sentia-se diferente, desejava-a, queria sentir o sabor de seus lábios e o gosto de suas carnes, devorá-la completamente. Os corpos parecem atraídos por uma força inexplicável, poderia, claro, ser a situação. May havia acabado de perder a mãe — e Hugo sentia-se conectado de alguma forma.

As mãos grandes de Hugo encontram as pequenas de May, unhas pintadas levemente em um tom nude, os corpos se aproximam e os lábios se tocam levemente e logo transformam-se na urgência da sede saciada. May completamente envolvida entre os braços fortes de Hugo. O mundo parece que parou ao redor.

Somente May e Hugo.

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"Cinzas ao Vento" é título de um conto da Escritora Joice Cruz, uma pequena homenagem em um capítulo que tratamos de despedidas de quem amamos e o nascimento de um novo amor.


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