Pensamentos

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Bernardo parecia tão distante em silêncio no banco de trás do carro que o levava de volta para o Luaca, sonhando acordado com o momento em que encontrou Aurora naquele mesmo hotel. Tudo parecia tão distante e falso agora, apesar de realmente ter acontecido na noite passada.
Como ela poderia ser tão parecida com Lady Laura? Aqueles cabelos loiros, aqueles olhos assustados, aquele rosto delicado e corpo pequeno... Tudo! Até mesmo a voz.
"Eu vou voltar para você, meu amor", aquela promessa fazia eco em sua mente.
Pobres pensamentos perturbados de Bernardo.
Ele deveria saber que ela nunca poderia cumprir, ele deveria saber disso, afinal, Laura estava morta há mais de quinze anos e exatamente há mais de quinze anos ele se pergunta o porquê tiraram a vida daquela moça que ainda tinha tanto para viver? Porquê justamente no dia que deveria ser um dos dias mais felizes de sua vida? Quem teria feito isso?
Quando Laura foi enterrada, levou consigo um Bernardo, que nunca mais voltaria. Ele morreu com ela.

-Bateu seu recorde. -Afirmou José Goes, que estava ao lado de Bernardo, mirando alguns papéis sobre a sua pasta amarela. Era amigo e advogado de Duarte.
-Do que está falando? - Perguntou saindo de seu devaneio e tristeza particular, enrugando levemente a face, apesar de na verdade estar muito pouco interessado em qualquer coisa que fosse.
-Parabéns, Ben! É a terceira vez que se mete em problemas com a polícia este ano! Três vezes, em um ano -Bufou ao ver Ben voltar o seu olhar para a janela e balançar uma das mãos, sinalizando como quem diz "tanto faz" ou "estou nem aí". -Um.Ano. -Repetiu pausadamente como se dessa forma o Duarte se importaria, o que não funcionou.
-você não entende, Zé! -Tentou defender-se -Não procuro por problemas, eles que procuram por mim e acabam me achando. -Sorriu de lado.
-Talvez devesse se esconder melhor deles, então. -Reclamou guardando seus papéis em sua pasta.
Ben riu, retirando a touca de sua cabeça e balançando as madeixas de seu claro cabelo.
-Você não vai acreditar no que aconteceu... -Ele teve o pensamento invadido por Aurora ou Lady Laura novamente.
-Não, amiguinho. -Revirou os olhos - Na verdade, eu sei bem o que aconteceu. Foi uma coisa Muito "imprevisível", não foi mesmo? Se eu te conhecesse bem diria que você saiu para beber, encheu a cara e socou um policial - ele atuava como pensativo -Oh! Por favor me diga que estou errado!
- Engraçado, Zé, Muito engraçado. -Falou balançando o dedo indicador em direção ao amigo - Mas não foi só isso. Não teve a ver com a bebida, dessa vez.
-Jura? - Ele tinha um tom de voz insuportável agora.
-É sério, me ouve -Bernardo tinha uma calma na voz, era impossível discutir com ele naquele momento. -Conheci uma garota.
Ficaram em silêncio por um instante, José havia realmente ficado surpreso, tanto que não lembrava-se de fechar a boca. Ele olhava com grandes olhos para Duarte se certificando de que ele não estava mentindo. Ele se sentia nostálgico, como se houvesse voltado há mais de uma década atrás, não se lembra da última vez que Bernardo falou de garotas.
-E Então? -Pigarreou, tentando não assustar o amigo com sua admiração. -Qual o nome dela? -Um sorriso curioso pairava sobre seu rosto.
-Lady... -Balançou a cabeça em negação e recomeçou -Quero dizer... Ela se chama... Se chama... -Ele serpenteava o olhar pelo banco do carro, e levou seu punho fechado até a cabeça, fechou os olhos, não conseguia lembrar o nome da moça que não lhe saia do pensamento - Começa com a letra A.
-Aline? Alyah? Andresa? -Chutava os nomes enquanto estralava os dedos tentando trazer de volta a memória de Ben -Aquira?
-Quem se chama "Aquira"? -Riu distraído Bernardo.
-Sei lá -Riu juntamente. -Mas como ela é?
-Ela é linda! Como a mulher mais linda que eu já conheci.
-Nossa! -Estranhou -Ela é tão linda quanto Lady Laura e você não lembra o nome dela? -Riu desconcertado- Ela é tão importante e não é , ao mesmo tempo.
-Não tenho muito o que falar dela. -Ele engoliu seco, não contaria o detalhe mais importante por medo do julgamento do amigo , que Aurora era praticamente o clone de sua falecida noiva.
-Estou orgulhoso de você.
-Como é?
-Ben, eu sei que já disse isso um milhão de vezes, mas eu realmente acho que já passou da hora de você refazer sua vida. -Ele evitava olhar para o amigo enquanto brincava com os dedos de suas próprias mãos - Laurinha era incrível, ela era muito doce, era uma boa companhia. Mas ela se foi. - Um breve silêncio, fez pesar a consciência de Bernardo que esfregava a cabeça com a mão tentando não olhar nos olhos do amigo - Fico feliz por você estar finalmente se desprendendo do seu passado. Estou muito feliz , por saber que você vai tocar a vida e manter apenas a lembrança de Lady Laura, e não viver pra ela.
-Eu vivo por ela -Corrigiu Bernardo demonstrando irritação. -Deveria saber disso.
-Pois para com isso. Tem que viver para você, cara! E não para um fantasma.
    Um fantasma? Bernardo não conseguiria acreditar que Zé, seu amigo de tantos anos com quem sempre compartilhou respeito havia insultado de maneira tão fria o amor da sua vida. Laura não era um fantasma, ou ao menos , Bernardo não aceitava que fosse.
-Não posso parar com isso! Ela foi a única mulher que amei -Explodiu irritado e ofendido -É, a única mulher que amo. E nunca mais, nunca mais a chama desta maneira! -Ele parecia estar perdendo o controle, enquanto Zé apenas balançava a cabeça em negação como quem diz "Você está louco".
-Ela se foi, Ben! - Retrucou no mesmo tom do amigo.
-EU SEI! -Gritou visivelmente alterado, o motorista olhava para eles através do retrovisor - Mas , mas e se ela voltou?
-O Que disse? -Zé ficou inquieto, não conseguia acreditar no que o amigo acabara de pronunciar. -O que você disse?
-Esquece! -Ele voltou a usar a calma anterior, que havia esquecido por um instante.
-O que disse, Bernardo? -Ele respirava alto, estava realmente assustado -Bernardo.
-O que foi?
-Ela morreu!
-Ah, Jura? - O carro estacionou em frente ao hotel e Bernardo desceu imediatamente, sem se despedir do amigo que não ficaria na cidade, havia vindo da capital apenas para livrá-lo da prisão. Deixou a porta do carro aberta, não se deu nem ao menos o trabalho de batê-la.
Caminhou com as mãos enfiadas nos bolso, desconsolado, sem cumprimentar ninguém e se sentindo mais sozinho do que nunca. Entrou no elevador, em igual com uma outra mulher que ele ainda não conhecia, Zora, ele não reparou nela, mas ela não tirava os olhos silenciosos dele.
-Com licença, senhor -Disse timidamente, Zora, ousando tocar no ombro de Ben.
-Sim? -Ele arqueou as sobrancelhas.
-Só queria saber, se tem alguma notícia sobra a moça que foi presa ontem aqui, quando...
-Sim, aquela garota está no seu devido lugar.
-Hum. -Zora silenciou e baixou a cabeça.
O elevador abriu no andar que Duarte havia escolhido e ele saiu do mesmo sem se despedir da moça.

Quem é ela?Onde histórias criam vida. Descubra agora