Sonho

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   Bernardo estava de volta a sua mansão solitária em Brasília, sozinho em um lugar tão grande e silencioso. Depois de sua pequena estadia na pequena cidade de Hortilia no Rio Grande do Norte ele não pretendia ir para tão longe de novo durante muito tempo, aquela ladra ainda perturbava a sua mente, não conseguia entender como uma pessoa podia parecer tanto com outra, ela era a cópia de Lady Laura quando a mesma faleceu, ele se amargurou por ter feito todo aquele escândalo e chorado na frente de uma pessoa que não se importava com suas lágrimas e assim como tantos só queria o seu dinheiro. Ele parou por um instante no centro da sala principal bem iluminada e pensou como Laura estaria hoje em dia, aos trinta e oito anos de idade "Tenho certeza que estaria tão bela quanto aos vinte", respondeu para si mesmo. Ele imaginava como seria sua vida se ela estivesse com ele, crianças correndo pela casa e ele seria um homem muito mais feliz e menos complexado com tudo.

  Esfregou a mão sobre seu rosto para fugir do devaneio que aos poucos o deixava cada vez mais inquieto e o aprofundava em escuridão. Olhou ao redor da sala em busca de algo para ocupar a mente e não encontrou nada, subiu a escadaria principal da casa deixando as malas ali mesmo. Subia sem olhar para os lados, ignorando todo o luxo e beleza espalhado por todos os lugares da mansão, em cada móvel, em cada metro quadrado, em cada tapetaria, em cada detalhe, caminhou sem se deixar impressionar por nada, cabisbaixo, com a feição tristonha de sempre, abriu as portas envernizadas de seu escritório e antes de entrar olhou para trás, teve a impressão de ouvir passos.

  Tudo continuava como antes, exatamente do jeito que ele deixou, limpo e desorganizado, as empregadas sabiam que não podiam tirar uma pedra e colocar em outro lugar, tudo deveria permanecer sempre igual, era uma ordem. Caminhou lento e sentou na cadeira de sua escrivaninha posta no canto daquele cômodo enorme, ficou parado com o olhar fixo sobre um papel cheio de valores e nunca sentiu o tédio bater tão forte sobre ele. Apoiou o rosto sobre o braço e bufou. Sua vida era tão monótona, ele era tão triste, um homem e o seu coração partido.

  Esfregou sua mão sobre o rosto como se estivesse tirando o excesso de água e em seguida ficou paralisado olhando para sua mão esquerda ao perceber que uma das alianças havia sumido de seu dedo anelar esquerdo, a aliança de Lady Laura que ele usava desde o dia em que a entregaram, levantou-se rápido e afastou a cadeira, ajoelhou-se e tateou pelo chão entapetado, estava sentindo-se levemente desesperado. A aliança de Lady Laura havia sumido de sua mão e aquilo era uma das lembranças mais preciosas pra ele.

  -Onde está? Onde está? –repetiu e repetiu a mesma pergunta várias vezes para si mesmo, sentindo uma escuridão tornando-se cada vez mais densa em sua volta – Onde está? – Sentia sua respiração pesar, estava ficando irritado ele sabia que não havia tirado o objeto de si para nada. Rangeu os dentes até sentir um toque em seu ombro que lhe devolveu paz como mágica, temeu olhar quem era, mas sentia a presença de algo surreal, olhou para cima com um pouco de receio, ainda ajoelhado, sem esperar que fosse se deparar com a mulher morta à anos –Laurinha?

  -Eu peguei de volta, amor – Respondeu sorrindo com os olhos molhados enquanto mostrava a aliança em seu dedo.

  -É você dessa vez? – Perguntou incrédulo ainda ajoelhado e sem querer encarar o que até então ele acreditava ser outra pessoa.

  -Sim –Ela riu faceira – Sou eu dessa vez, meu amor, sempre fui eu! – Deslizou a mão para o rosto dele e ele fechou os olhos ao sentir o toque da mão dela.

  Bernardo levantou-se devagar se aprofundando cada vez mais nos olhos dela, ficou apenas a olhando por breves segundos até puxá-la para perto e envolver aquela mulher em seus braços, apertou forte e beijou-lhe o pescoço, sentiu seu cheiro e acariciou seus cabelos claros. Ele havia sentido tanto a falta dela, mas finalmente ela havia cumprido a promessa e voltara exatamente do jeito que havia partido e dessa vez ele não permitiria que ela fosse embora de novo, preferia morrer antes de ficar sem ela novamente.

  Apertou a cintura dela, enquanto ela enroscava os braços no pescoço dele sem parar de rir um só segundo, estavam tão felizes e ele sentiu-se rejuvenescido, como se o tempo magicamente tivesse voltado para que eles pudessem recuperar o que se foi perdido. O corpo dela estava quente de vida, ele passeou com uma das mãos sobre as pontas dos dedos dela até a sua nuca e com os olhos apertados de tanta felicidade inclinou o pescoço dela e a viu fechar os olhos para receber o beijo tão aguardado.

  -Amor – Lady Laura interrompeu, abrindo os olhos antes de seus lábios encontrarem os de Bernardo.

  -Oi, meu amor – Ele ficou ligeiramente preocupado pelo tom de voz distante com que sua amada o chamou.

  -Prometa que não vai desistir de mim – Disse serpenteando seu olhar pelo chão.

  - O que é isso? – Ele segurou o rosto dela com ambas as mãos – Eu nunca desisti de você, Laura, eu te esperei por todos esses anos, nunca ninguém tomou seu lugar.

  -Mas você teve alguns casos.

  -Não significaram nada para mim. – Os olhos dele encaravam os dela, ele falava com tanta sinceridade – Eu pensei que você nunca mais fosse voltar. Minha vida perdeu o sentido. Foram tristes todos os dias depois que você foi embora, Laura eu sofri tanto, todos os dias e agora que você voltou trouxe a felicidade contigo. Prometa que não vai me deixar nunca mais.

  -Mas eu estou bem aqui e estou vendo você me deixando. – Ela falava com o rosto contorcido, parecia estar sentindo muita dor.

  -Eu não estou te deixando, Laura, Jamais farei isso!

  -Por que me abandonou naquela prisão? –Ela deixou que lágrimas escorressem sobre seu rosto delicado, enquanto sua voz enfraquecia.

  -Então era você? –O desespero o tomava novamente ao sentir o corpo de lady laura sumir de seus braços, se desfazendo como se fosse fumaça –Eu não sabia, meu amor, se eu soubesse eu não faria...

  -Não me abandone – Ela chorava e aquilo o matava por dentro, a imagem dela estava cada vez mais apagada, tornando-se invisível, indo embora dali – Não, Laura, não me deixe de novo – Implorava.

  -Não desista de mim. Eu te amo – Disse por último antes de sumir por completa e deixar o homem novamente devastado naquele escritório triste e solitário.

   -Não, Laura, de novo não – Disse para o silêncio, cansado, jogou-se na cadeira e fechou os olhos.

  De repente batidas fortes na porta do escritório, batidas desesperadas e ele acordou.

  -Laura? – Disse voltando para a realidade, levantando a cabeça do travesseiro, estava sozinho no seu quarto de hotel ainda no RN, suado e mais triste do que estava inconscientemente. Deitou novamente a cabeça no travesseiro e escondeu os olhos com uma das mãos cheias de anéis.

  Ficou por um tempo imóvel, fingindo-se de morto para si mesmo, até que arregalou os olhos como se houvesse se lembrado de algo. Levantou-se agitado e ligou para a recepção:

  -Entre em contato com a delegacia, por favor – Pediu tremendo

Quem é ela?Onde histórias criam vida. Descubra agora