¤ 4 ¤

18 2 0
                                    


Os primeiros dias não foram nada fáceis. Depois que o príncipe deixou seu quarto, não demorou muitos minutos — em que ela passou em dilema e ansiedade mortais — para que a dor e o cansaço vindo do grande esforço de manter aquela conversa a fizessem cair em um sono pesado novamente. Depois daquilo, só acordava para que Jephinia lhe desse o que comer e para tomar mais e mais remédios que ajudavam como bençãos.

E a vida continuou seguindo entre o inferno e quase isso. Havia horas que passava pensando se algum dia poderia ficar de pé. Se sentia presa de maneira sufocante e terrível e sua vontade era de chorar. Em alguns momentos, os mais raros, era confortável estar entre lençois caros e totalmente sozinha para pensar e elaborar planos. Plano a, b, c... Infinitos planos para que ainda houvesse várias tentativas de sair dali se tudo desse muito errado.

Apesar de não conseguir fugir dos problemas que a atormentavam, ela lutava para dormir ou ocupar-se o suficiente para que pensamentos ruins não viessem: coisas que, nos últimos dois meses não tiveram tempo para ficar na mente, graças aos deuses, por ela estar ocupada demais analisando as suas próprias chances de sobrevivência. Tentava com todas as forças afastar qualquer coisa que remetesse ao seu passado e todas as coisas que a faziam estar naquele lugar.

Mas a primeira grande dor veio no dia de trocar as ataduras. De acordo com Jephia, mal havia pele que cobrisse seus órgãos e os curativos que torneavam em grossas camadas o seu tronco era a única coisa impedindo que seu corpo se desmanchasse.

E, mesmo sabendo que aquilo viria quando analisava os curativos que se enchiam se sangue cada dia mais lentamente, foi preciso dois assistentes segurando suas mãos enquanto Jephinia e mais alguns ajudantes tiravam tudo, a livravam de qualquer infecção, ajeitavam o que precisava e recolocavam tudo. No fim, havia ecos distantes de gritos, um rosto ensopado por lágrimas e ataduras novas e limpas que marcavam presença para lembrá-la de tudo.

E mesmo depois que aquela dor acabou, ela chorou por horas. E dormiu com as lágrimas sendo sua última memória.

Ao abrir os olhos no dia seguinte, distinguiu Jephinia com uma toalha úmida nas mãos, sentada à beira da cama. Havia sido o rosto mais amigável nos últimos dias e já havia até se acostumado com sua voz grave e pose mandona, mesmo que sendo baixinha, e ao mesmo tempo tão carinhosa. Às vezes era o que a fazia parar de choramingar nos piores dias.

— Mais uma febre — foi sua saudação — Mas é esperado, depois de tudo o que você passou ontem. Ao menos não tivemos nem sinal do veneno.

A dor lhe veio nas costelas de súbito e a careta acompanhou. A ruiva fechou os olhos ao se recordar de alguns momentos em que pensou que a dor fosse realmente matá-la.

— Se eu tiver que passar por tudo novamente...

— Não acho que terá. O sangramento não é tanto e não havia nenhum sinal de regresso na cura. Você é uma garota forte. Ou não estaria aqui agora. Fraturou apenas duas costelas que já estão se recompondo aos poucos. Da próxima vez que tirarmos isso, não teremos mais problemas.

Ela se ajeitou desconfortável e a dor que veio lhe deu um puxão no abdome. Mesmo passando tempo, se movimentar ainda causava aquele tipo de incômodo e parecia que nunca passava.

Os olhos dela desviaram para a janela de vidro do outro lado do cômodo, onde, dependendo da hora do dia, ela conseguia ver um pouco do reflexo. Era o máximo que sabia de sua própria aparência em muito tempo.

— Estão rubras — Jephinia disse então e ela virou-se para a mulher no susto.

— O que disse?

Então uma colher da sopa que ela já se acostumava — e vinha sendo cada dia mais ornamentada com carnes e legumes mais consistentes — foi enfiada em sua boca num único movimento.

Coroa de Eagenon ¤ A FeridaOnde histórias criam vida. Descubra agora