Dia 2

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Contorço-me em cima da cama. Ela não tem nem metade do conforto da minha em Soledo, mas o sono foi tanto que na hora não percebi. Nem me recordo ao certo de quando cheguei aqui ou do momento em que desci do avião. Eu devia estar agindo por inércia, porque apenas pequenos fleches de lembrança passam pela minha cabeça. Descendo do avião. Entrando no aeroporto. Sorrindo para os fotógrafos. Esperando meus pais darem entrevistas. Esperando meu pai falar com líderes dos quais não sei o nome porque não li a lista da Julia. Fingindo conhecer os líderes. Abraçando as esposas dos líderes. Cutucando meu pai para que ele se toque que está falando muito e que precisamos ir embora. Sentido raiva por meu pai não entender o meu gesto sutil. Tentando um gesto menos sutil com minha mãe. Sentindo raiva porque ela também não se tocou do meu segundo gesto sutil. Sentindo alívio porque meu pai disse que temos que ir embora. Saindo do aeroporto. Perdendo a visão e a paciência com os holofotes dos reportes. Reprimindo a vontade de mandá-los ver se estou lá em Júpiter. Entrando na limusine. Dormindo na limusine. Acordando na frente do hotel. Passando pela entrada do hotel. Entrando no elevador do hotel. Chegando em meu andar. Entrando no quarto com vista para a cidade. Brigando com minha mãe para ver quem fica com o quarto com vista para a cidade. Sendo expulsa do quarto com vista para a cidade. Entrando no quarto sem vista para cidade. Me jogando na cama do quarto sem vista para a cidade. Dormindo na cama do quarto sem vista para a cidade.

Olho para o meu celular. Quarenta e duas mensagens da Lily e da Charlote. Não vou me preocupar em ler agora. Estou muito ocupada curtido o meu momento longe da histeria delas. Não que eu não goste das maluquices delas. Mas as duas têm passado dos limites nos últimos dias.

Olho para o relógio ao lado da cama. Dez horas no Centro. Meio dia em Soledo. Dormi demais. Bom, menos algumas horas escutando minha mãe falando o quanto a minha participação nos Encontros será de suma importância para que Soledo estabeleça laços com outros reinos ou como minha aparição no programa poderá me garantir um bom futuro marido mesmo que não seja nenhum dos outros escolhidos, já que muitos homens assistem aos Encontros em busca de uma futura esposa em potencial. É doentio, eu sei, mas é assim que minha mãe enxerga o mundo.

Alguém bate em minha porta. Espero que seja um dos meus pais ou alguma criada, porque se for algum repórter ou príncipe, ele terá o desprazer de conhecer a minha ira matinal elevada à décima potência por causa dessa porcaria de programa.

- Rebecca? Sou eu, querida. Abra a porta!

- Julia? - perguntei o óbvio. A voz alta da Julia era perfeitamente reconhecível para quem passou uma vida aprendendo com ela como se comportar como uma dama. - Espera só um minuto. Já estou indo.

Dou uma rápida olhada no espelho. A Julia teria um ataque quando me visse toda desarrumada daquele modo. Ela sempre falava que eu devia acordar pelo menos uma hora mais cedo para me arrumar antes que qualquer pessoa me visse assim. Até minhas damas de companhia deveriam achar que eu sempre acordo perfeita. Mas ninguém me avisou que ela vinha. Não tinha como eu acordar uma hora antes. Prendi o meu cabelo de qualquer jeito e abri a porta.

- Ainda assim? Por que não estou surpresa? - ela perguntou me olhando da cabeça aos pés.

- Porque você me conhece muito bem. - respondi com um sorriso que eu sabia que era insuficiente para evitar uma bronca.

- Quero que vá até a sala. Sua equipe de preparação está te esperando.

Sem bronca pelo cabelo bagunçado? Que dia feliz! Segui em direção à porta quase saltitando com um sorriso no rosto.

- Rebecca? - meu sorriso se desfez ao ouvir o tom de voz da Julia. - Depois nós conversaremos sobre como você esquece facilmente tudo o que eu te ensinei assim que sai de casa. - ela cruzou os braços com os olhos fixos no meu cabelo completamente armado e bagunçado. - Agora, vá! - estava mesmo bom demais para ser verdade.

Confissões de uma Princesa ApaixonadaOnde histórias criam vida. Descubra agora