Não imaginou que chegaria de madrugada naquela cidade. A verdade é que não esperava ter que sair daquele jeito, nem mesmo teve tempo de pegar seu carro no mecânico quando recebeu o chamado da Ordem. Pegou o primeiro ônibus na rodoviária e seguiu para aquela cidade vazia.
Em plena sexta-feira, em uma cidade comum, mesmo de madrugada, onde morava teria algum movimento, ali, até a neblina não se mexia, talvez pelo frio ou mesmo por não ter outra escolha.
Algo chamou sua atenção. Uma voz fraca, um sussurro. Seguiu na direção da voz, um salão de cabeleireiro a sua direita, ao se aproximar, viu uma forma encolhida, tentando se proteger do frio, um morador de rua.
Quando já estava para seguir seu caminho a procura de um hotel, parou.
— Eu vi. A luz azul, aquele bicho. Eu vi.
Podia não ser nada, mas era melhor verificar, afinal, a Ordem disse que o segredo não estava seguro e a voz não era de um homem, mas de uma mulher.
Ele cainhou até o local e se sentou ao lado daquela mulher.
— O que você viu? – Ela o encarou, sua pele era morena e seus olhos extremamente escuros, pareciam duas jabuticabas.
— Você não vai acreditar, ninguém acredita. Ah, fome. Comida.
— Você está com fome?
— Fome. Quente. – Os olhos dela brilharam com intensidade antes das lágrimas escorrerem por seu rosto, ao chegarem nos lábios ressecados, ela lambeu. — Salgado. – Sussurrou.
Sem saber bem o que fazer, ele ofereceu seu braço e a moça aceitou.
Andaram em silêncio ainda por algumas ruas até encontrarem um hotel. A recepcionista estranhou a situação, mas entregou a chave do quarto com duas camas que ele pediu.
— Tem comida essa hora? A moça está com fome, preciso de algo quente.
— Ah, ela mora na rua, está sempre com fome, coitadinha. – A moça suspirou ao olhar para a outra. — Temos sopa hoje, você também vai querer?
— Sim, por favor. Você a conhece? Não queria deixá-la na rua, fiquei com pena. – Não era bem isso, mas valia como desculpa.
— Ela é do bairro, todo mundo a conhece. Seu pai a abandonou e foi embora com a madrasta e a irmã mais nova, depois disso, ficou louca. Pelo que soube, há três meses, ela começou a andar com alguns garotos novos na cidade e a usar drogas, foi encontrada alucinando num dos barcos abandonados, não dizia nada coerente. Pouco tempo depois a família foi embora, não conseguiram cuidar dela, que sempre fugia e voltava para perto do rio.
— Entendo... Bom, hoje ela não vai ficar com frio ou fome. Obrigado! – Era muita informação, coisas que ele descobriria de qualquer forma, porém, foi melhor perguntar primeiro.
***
Quinze minutos depois de entrarem no quarto, um senhor veio trazer a comida. Os dois se sentaram à mesa, a moça comia com uma voracidade assustadora e sem jeito ele ofereceu sua sopa também. Ela comeu tudo, sem deixar nem vestígio de que teve comida naquela louça.
— Você precisa tomar um banho, eu tenho roupas limpas que podem lhe servir, são masculinas, mas quentes. – Ela negou com a cabeça. — Moça, você está cheirando mal, não vou conseguir dormir assim, não se preocupe, pode trancar a porta do banheiro por dentro.
Sem insistir, ele foi ao banheiro e começou a encher a banheira, faria ela tomar banho, querendo ou não.
Voltou ao quarto e se aproximou da moça que estava sentada em uma das camas.
— Vai, tira as roupas no banheiro. – Ela tremia e não era de frio. — Será que eu vou ter que te dar banho? Você pode comer sozinha, pode tomar banho também. O olhar dela era assustado. — Droga!
Impaciente, foi até ela e tentou tirar a blusa de frio com zíper, mas a moça se debateu, então ele tentou com as calças e cometeu um grande erro. Tudo aconteceu muito rápido.
Percebeu o motivo do cheiro forte, entre as pernas dela, havia sangue seco. Assustada, ela abraçou o próprio tronco e deitou, chorando baixo. Pensando que seria mais fácil assim, ele foi direto ao botão da calça. As unhas grudaram em seu pescoço, ele urrou, irritado e sem alternativa, levou as mãos às têmporas dela, odiava fazer aquilo, ainda mais sem a necessidade de descobrir algo.
Ela arregalou os olhos e parou de se mexer, afrouxando gradativamente o aperto no pescoço dele.
Ele se afastou, ofegante. Foi ao banheiro e lavou o rosto, estava suado, há tempos não precisava fazer aquilo. Voltou ao quarto e esperou até ter condições e a pegou no colo, inconsciente.
Ao colocá-la dentro da banheira, precisou fazer tudo, ela reagia, mas não realmente acordava. Usou o roupão do hotel mesmo para cobri-la e a deitou na cama.
Para ele, bastava uma chuveirada, deixou seu celular em cima da mesa, tirou suas roupas, a moça ainda estava dormindo, teve o cuidado de olhar, pegou a toalha foi para o banheiro.
Quando estava saindo, seu celular tocou. Bufando, enrolou a toalha na cintura e foi para o quarto, mas não teve tempo de atender. Enviou uma mensagem ao número informando que já estava na cidade.
Quando se virou, levou um susto, a moça estava sentada na cama, encarando-o.
— Quem é você? – Ela perguntou, com dentes cerrados.
— Você lembra de tudo? – Ele sentou na cama ao lado, a uma certa distância dela.
— Claro, você é um deles. – Seu tom era seco.
— Bom, meu nome é Leonardo, sou o irmão mais velho dos idiotas que você conheceu.
Ela o analisava, como se pudesse descobrir se estava mentindo ou não e ele compreendeu seu olhar desconfiado.
— O que você quer?
— Encontrar meus irmãos.
— Não, me trazendo aqui. – Ela rebateu, sua memória estava confusa e formular frases ainda era difícil, bem como seus pensamentos e ideias, mas já conseguia fazer o mínimo.
— Desconfiei que você soubesse de algo pelas coisas que dizia. Aproveitei para te tirar do frio. Você está segura aqui.
Realmente, sentia-se segura pela primeira vez em muito tempo, então decidiu se desarmar naquele momento.
— Meu nome é Cristina.
— Você está bem?
— Não, mas vou ficar. Posso mesmo ficar aqui?
— Claro. Se quiser algo pode ligar na recepção e pedir. – Ele se levantou, tinha até esquecido que estava só de toalha. — É... desculpe por ter... Ah, você sabe.
— Sei. – Ela esboçou o que pareceu um sorriso e ele sentiu alívio. Quando voltava para o banheiro ouviu: — Obrigada! – E se virou, retribuindo o sorriso como resposta.
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Sobrenaturais
PertualanganFilha única e criada pelo pai, após a mãe morrer no parto, Cristina passou sua infância aprendendo a atirar facas, assim como seu pai fazia no circo, mas com a chegada de sua madrasta e uma meia irmã, tudo mudou. Tentou de todas as formas manter a h...