29 - Vileai

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Vileai não era claustrofóbico, mas ficar preso no fundo de um tronco oco era uma das piores experiências que já tinha vivenciado.

Além disso ele não tinha ideia de onde estava e se iria sair dali algum dia. Raizento metera uma folha forte em sua boca e ele apagou instantes depois. Acordou naquele lugar, quase sem luz, abafado, úmido. E agora? Eu espero ou tento escapar daqui de alguma maneira, arriscando ser pego e piorando minha situação?

Sabia que tinha calculado mal, e que Folhamorta não estaria nada feliz com aquilo. Perder tudo aquilo de mercadoria. Maldito príncipe, por que ele não voltou pelo caminho que veio?

Mas agora era tarde para se lamentar. Tentou escalar o interior do tronco, o que foi um esforço inútil. Era liso como uma pedra de rio. Procurou por algum vão que pudesse ser aberto, afinal, eles me colocaram aqui de alguma maneira. Sem sucesso. Remexeu a terra nos cantos, procurando cavar uma saída por debaixo do tronco. Mas a terra era tão úmida e estava tão solta que deslizava de volta para o buraco que ele acabara de fazer.

— Inútil, tudo isso é inútil. Eu vou morrer aqui.

Até sua voz pareceu presa àquele lugar, reverberando e voltando para ele cada vez mais fraca.

Começou a pensar em alternativas, em desculpas que daria para Folhamorta. De que ele quis retirar os barris da frente do barco, mas os rapazes foram contra. Não, eles já fizeram esse serviço antes, e essa deve ser a primeira vez que algo assim aconteceu. Mais provável que acreditem mais neles do que em mim. E é a palavra de quatro contra a minha. Então pensou no que poderia oferecer em troca. Ofereço dinheiro. Digo que tenho um tesouro guardado, longe daqui, que somente eu posso encontrar. Ganho mais alguns dias de vida e mais tempo para pensar numa forma de escapar. Claro que vão acreditar nisso.

Vileai sentou encostado no tronco e colocou a cabeça entre os joelhos. Estava com fome, começava a ficar com frio, e sua cabeça latejava. Não tenho nada para oferecer em troca. Nada. Mesmo que me oferecesse para virar um morco, Folhamorta não teria motivos para aceitar. Já deve tem muitos. Posso tentar correr, fugir, posso implorar pela vida, e depois vou para onde? Não tinha muitas alternativas. O entroncamento era o centro do quarto reino. Tudo acontecia ali, tudo passava por ali. O conselho era ali. A Ilha Perfeita era ali. Era um entroncamento de rios e de povos, de diferentes culturas e passados. Era onde qualquer cavo de grande ambição do interior sonhava em viver. E era para onde Vileai tinha corrido quando se viu sozinho no mundo seis anos atrás.

Mesmo que eu vá para outros lugares, como a ilha do rei, quem me garante que encontrarei trabalho lá? E Folhamorta teria olhos em todos esses lugares, com certeza.

Um som acima dele o retirou de seus pensamentos. De uma abertura que acabara de surgiu caiu uma escada de cipós. Vileai olhou desconfiado para cima, tentou chamar, mas ninguém respondeu. Sem opções, subiu a escada e saiu do tronco.

Estava no meio de uma floresta fechada e de muitas sombras. Pouca luz passava pelo dossel, bem acima. Cipós, samambaias e lianas caíam e subiam por todos os lados, cobrindo as árvores e os galhos. Vileai se sentiu ainda mais enclausurado, mesmo estando agora do lado de fora do tronco. Olhou ao redor, procurando por quem havia lhe jogado a escada, ou por qualquer outro sinal de vida. Mas não conseguiu ver muito longe. Aliás, quase não conseguia enxergar além do que sua mão podia alcançar.

Se afastou do tronco andando devagar, tentando não fazer muito barulho. A terra estava tão úmida quanto a do interior do tronco oco e a sensação de terra molhada passando por entre seus dedos lhe causou calafrios.

O silêncio da floresta era apenas quebrado por um estalido ou outro, vindo de perto e de longe. As batidas do seu coração pareciam tambores que o denunciavam. Vão me ouvir, vão me pegar. É melhor correr.

O Quarto ReinoOnde histórias criam vida. Descubra agora