11 - Buravo

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Curiosos de todas as partes da ilha, e alguns além dela, se aglomeravam no porto para ver a chegada do príncipe. Buravo não entendia como o rumor havia se espalhado tão rápido. E se seguir como o planejado, eles não irão ver Arail até amanhã cedo.

O porto era enorme e comportava muitas embarcações. Do lado norte um braço de pedra fora construído para estancar a correnteza, de modo que as águas do porto eram calmas como uma lagoa. Buravo se impressionou com a alta movimentação de barcos chegando e saindo e mercadorias sendo carregadas e descarregadas o tempo todo, mas a parte mais ao norte do porto havia sido fechada por ordens do rei, e uma doca e um passadiço estavam agora vazios, esperando o barco do príncipe.

Buravo estava sentado embaixo de um ipê roxo, em um pequeno banquinho que saía diretamente do tronco da árvore. O Círculo Joravino já passara da metade, e ele vinha achando a história formidável. É esse tipo de livro que falta por lá. Os cavos da quarta dinastia tinham uma fascinação por livros de memória, sobre qualquer assunto. Histórias contadas por outros eram raros, e sobre épocas antigas e lugares distantes inexistiam.

A tarde se arrastava, e os curiosos começaram a ficar impacientes. Era quase a última hora do dia quando alguém deu um grito. Buravo olhou e viu uma criança empoleirada no alto de uma árvore. Ela olhava para o norte e apontava com o dedo, contando com uma voz estridente o que via.

Logo todos puderam ver o barco real descendo pelo rio, e o coração de Buravo ficou mais leve.

Enquanto o barco deslizava correnteza abaixo muitos correram para chamar aqueles que haviam ido embora mais cedo, e antes que o barco estivesse perto o suficiente para se distinguir um remo do outro, o porto lotara de curiosos alvoraçados.

A noite se aproximava e o barco real saiu da correnteza e entrou nas águas calmas do porto. Um pequeno rebocador saiu depressa em direção ao barco. Os remos foram recolhidos e uma corda foi jogada do convés para os rebocadores, que a amarraram em seu próprio barco, e sem esforço algum fundearam o barco real com maestria.

Quando o barco estava bem posicionado e ancorado, uma rampa desceu para que Buravo subisse para o convés.

— Boa noite meu bom e velho Buravo, já deu uma mergulhada no glorioso?

Um cavo baixo e com uma longa barba lhe esticava a mão para ajudá-lo a subir. Todos o chamavam de Capitão, e Buravo duvidava que ele mesmo soubesse seu nome verdadeiro.

— É grandioso, e não tive tempo para essas coisas, ao contrário de vocês, que não tiveram pressa alguma em chegar.

— Pressa? Nem me fale em pressa. Minha pressa agora é voltar rio acima, se meu broto não for destruído por esse monstro que chamam de rio.

— Fale baixo, ele é sagrado por aqui, muito mais do que você poderia entender. Onde posso encontrar nosso príncipe? — perguntou Buravo.

— Sagrado ou não ele continua monstruoso. Arail tá lá em cima, te esperando. Novi! Carvi! deem o melhor nó que suas mãos preguiçosas conseguirem. Não quero acordar no meio da noite e ver meu broto deslizando rio abaixo!

Buravo deixou Capitão gritando ordens para seus marinheiros e foi para a popa do barco, onde duas árvores subiam juntas e quase idênticas, se curvando para trás. Entre elas havia um curto lance de degraus que terminava em uma porta dupla.

Antes que Buravo pisasse no primeiro degrau a porta já se abriu. Vozes e risadas vieram lá de dentro. Ao subir Buravo viu sentados ao redor da mesa o príncipe Arail e seus quatro guardas o olhando, agora em silêncio.

Parece até que estavam falando de mim.

— Buravo, meu amigo, trouxe um barril de varapari? — perguntou o príncipe se levantando e o abraçando.

— Meu príncipe. Acredita que insistiram para que eu tomasse um gole? Aquilo é açúcar puro.

Os outros riram

— Acho que é melhor eu me acostumar com a ideia. É esperar muito fazer essa visita sem ter que dar um gole. Mas sente-se meu amigo, me conte tudo da sua viagem. Temos aqui algumas peras e maçãs, Canilo devorou todo o melão que tínhamos aqui, mas acho que ainda tem alguns lá embaixo, ele não vai se importar em ir buscar, tenho certeza.

— Não precisa senhor, estou me alimentando bem até, as frutas não são tão doces como imaginei.

Enquanto comia e bebia, Buravo contou o que havia feito e visto. Sobre sua chegada e as primeiras mensagens trocadas com o rei, sobre o quarto que lhe deram próximo ao porto. Sobre suas caminhadas pela região e sobre o encontro com Iruva.

Arail quis saber cada detalhe do encontro, e tudo o que havia visto dos preparativos. Perto da metade da noite Arail se sentiu satisfeito com todo o relato. Apenas um pormenor o incomodava.

— Não viu Rovana em nenhum momento?

— Infelizmente não senhor, e nem o menino Arileu ou qualquer outra pessoa da casa real fora o próprio rei.

O príncipe tamborilou os dedos na mesa, pensando.

— Bom — disse por fim, — não há mais nada a se fazer. A viagem foi longa e preciso descansar o que conseguir para parecer o mínimo apresentável amanhã. Durmam bem rapazes, e acordem antes do dia nascer. Você, Buravo, acho mais apropriado voltar para seu quarto, e amanhã preciso que você receba o rei ou qualquer um que esteja na doca me esperando. Descerei na primeira hora em ponto. E agora, cama. Tenham uma boa noite.

Buravo se despediu e voltou para o porto. Ainda havia um ou outro que mantinha a expectativa de ver o príncipe, e se animaram ao ver Buravo descendo. Mas depois que viram a ponte se recolhendo finalmente desistiram e juntaram suas coisas e partiram.

Não mencionei nada sobre a biblioteca, ou sobre a garota. Assuntos menores perto do que aconteceu. Acho eu. Apenas guardo a esperança de vê-la novamente antes de partir.

E enquanto tentava pegar no sono Buravo relembrava as poucas palavras que havia trocado com a garota da biblioteca.

O Quarto ReinoOnde histórias criam vida. Descubra agora