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Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso. - Fernando Pessoa.


Gosto de sonhar; mas sonhar de olhos fechados. Não sou o tipo de pessoa que sonha de olhos abertos, porque essas pessoas são diferentes. As pessoas que sonham de olhos abertos têm expectativas altas e, consequentemente, desiludem-se mais vezes do que as que sonham de olhos fechados; porém também conseguem ver cores. Eu sonho de olhos fechados porque tenho os pés bem assentes na terra e porque não há cor no mundo onde tenho os olhos abertos; em vez disso há uma paleta que tem os vários tons de cinzento.

Estava de volta ao trabalho, um pouco ensonada ainda mas com vontade de trabalhar. Ao abrir a pastelaria, várias pessoas me iam interrompendo à medida que arrastava as mesas para a rua, ou pediam pão ou um café com um pastel de nata. O dia estava bonito para dar um passeio pela praia e sentir o cheiro do mar ou vaguear pelo jardim e sentir o som da ribeira a correr. Tento fechar os olhos por momentos e imaginar o cheiro do mar e o som da ribeira a correr, geralmente faço isto nas aulas de yoga, ajuda-me a concentrar. Infelizmente os meus pensamentos acabam quando ouço uma voz.

'Hoje trago moedas,' percebo que é a voz que anteriormente me tinha pago um euro e trinta e cinco com uma nota de cinquenta, 'e quero dois bolos e um copo de sumo de laranja, por favor.'

Finalmente alguém com alguma decência e traz moedas para uma pastelaria! Talvez o incentive a gritar às pessoas o quão civilizado é, quer dizer... no sentido de mostrar a sua boa ação do dia. O ato tão simpático alegrou-me por momentos e sem saber bem porquê sorri-lhe e disse que levaria o seu pedido à mesa. O tempo que demorou a fazer o sumo e aquecer os bolos foi quase imediato, acho que fiz figura de parva, mas ainda assim cumpri o que tinha dito. A caminho da mesa notei que acompanhado pelo moço estava um rapaz de cabelo castanho. Castanho? Isto não pode ser!

À medida que me aproximava as cores no rapaz ficavam mais nítidas. A minha mente estava a pregar-me partidas psicológicas, era a única explicação que encontrava no tempo que demorei a percorrer o espaço.
O rapaz estava preenchido por cores que não via há imenso tempo. Estaria meu a sonhar de olhos abertos? Mas porquê ele? Porque estava toda a gente sem cor e ele totalmente colorido? Já nada fazia sentido...

'Aqui tem.',pousei o tabuleiro e retirei os bolos juntamente com o sumo. Ambos os rapazes olharam para mim e sorriram como quem dizia obrigado. A minha cabeça estava demasiado focada na cor dos olhos do novo rapaz para dizer alguma coisa, simplesmente me fui afastando da mesa até chegar à cozinha.
Eram esmeralda, um verde esmeralda. Sentia a minha pele a arrepiada assim que atravessei a porta da cozinha. O meu corpo deslizou pela parede até encontrar o chão frio, os meus joelhos subiram até ao meu peito e deitei a minha cabeça nos mesmos. O meu coração estava a bater rapidamente e a minha respiração estava incontrolável. Tentei acalmar-me, mas foi em vão. A minha mente estava a mil. Como era possível? E porquê só uma pessoa? Diversas perguntas existiam na minha cabeça e eu não tinha resposta para nenhuma. Sentia-me impotente, para mim o tempo tinha parado desde que o vi. Inspirei fundo de novo, mas desta vez devagar e tentei suster o ar dentro de mim, voltando a exalar depois. Levantei-me e segui de novo para o balcão.

Ele estava lá ainda, sentado e entretido a rir-se e a comer o seu bolo. A sua camisa vermelha saltava-me à vista, coisa que nunca pensei imaginar acontecer depois destes anos todos.
Qual seria o nome dele? E a sua história?

Colour // h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora