capítulo 3

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    É um dia nublado, o céu está escuro, mas mesmo assim eu tive que ir para a consulta semanal com a psicóloga, chegando lá me deito no divã e espero ela começar as suas perguntas:

     -Então, senhorita Albuquerque, como tem se sentido? -perguntou a doutora Cláudia.

   -Vazia.

   Todas as minhas respostas eram curtas.

  -E o que vem acontecendo para fazer você se sentir vazia?

   -Tudo.

  -Defina tudo.

  -Tudo, tudo o que acontece, todas as pessoas, todos os dias, todas as coisas, é tudo.

  -Eu compreendo.

  Não, você não compreende.-tive vontade de responder.

  -Você não se sentiu alegre nem uma vez nessa semana?-perguntou o óbvio.

  -Nenhuma.

-E seu problema com os meninos?

  -Continua o mesmo.

  -Ayshila, você está fazendo o que eu disse? Aquilo de dar uma chance para a vida? -tocou no assunto de uma semana atrás.

   -Eu estou tentando doutora, juro, eu tento parecer feliz pelas pessoas que amo, mas tem sido difícil, eu estou ficando cansada de fingir estar bem quando na verdade eu estou em pedaços. -finalmente desabafei.

   -É para isso que estou aqui, te ajudar a juntar seus pedaços. -respondeu com a mão em meu ombro. -Mas para isso você tem que me ajudar a te ajudar, sei que você consegue!

   -Eu simplesmente não consigo acreditar nas pessoas, quando são legais comigo, parecem que estão todas mentindo.-respondi, inclusive, ela parecia mentirosa para mim.

  -Você tem que dar uma chance para as outras pessoas, fazer amizade, pelo menos tente.

    Tá, tá bom, a doutora está ciente de que além de ter depressão, ansiedade e baixa auto- estima, eu sou antisocial, não dá para me pedir um negócio desses, é muito difícil para mim, ela não entende, ela mente, nunca passou por isso, não tem como saber como é, eu gostaria de encontrar alguém com os mesmos problemas que eu,  aí eu teria certeza de que alguém me entende.

    Só de pensar em socializar, pensamentos ruins vem na minha cabeça. Como quando umas garotas da minha turma fingiram ser minhas amigas, elas fizeram aquilo só para me humilhar depois, fui jogada na lama na frente da escola inteira, um tempo depois elas me pediram desculpas e eu aceitei, como eu era idiota, no dia do meu aniversário de quatorze anos, eu ganhei um presente delas, toda a escola testemunhou, pois gritaram para todo mundo ver eu abrindo meu" presente" e fez todos cantarem parabéns para mim, mas quando eu abri a caixa, o presente era uma corda já no formato perfeito para um enforcamento, tinha um cartão, ele dizia: Esse ano dê um presente para nós, se mate, faça esse favor para o mundo.
Me senti um lixo, passei o resto da aula chorando no banheiro e joguei aquele treco horrível fora, quando cheguei em casa, decidi dar ao povo o que o povo queria, me joguei da escada e caí rolando, minha primeira tentativa de suicídio, lembro que tudo o que ganhei com isso foi uma fratura no braço e um pequeno corte na cabeça, tenho a cicatriz até hoje, a da cabeça é coberta pelo meu cabelo, já a do ferro que colocaram no meu braço está aqui, fraca, mas permanece.

   Quanto aos meninos, ainda prefiro manter distância, como já mencionado, meu primeiro beijo não foi a melhor das experiências, na verdade, foi o estopim para a minha segunda crise, eu corri para casa desesperada naquele dia, lavei a boca com sabão e chorei muito, peguei o canivete que tinha ganhado para defesa pessoal mas que nunca tive coragem de usar e fiz cortes horizontais em meus pulsos, desmaiei é acordei num hospital com pontos nos cortes, até hoje tenho as cicatrizes que ficaram bem feias, parte de mim se sente vitoriosa por permanecer viva, outra decepcionada, outra não sabe o que pensar. Eu tinha quinze anos caramba! Estava na puberdade e sofri um trauma, ainda fui zoada na escola depois e o resto do ano foi com piadinhas sobre isso. Detalhe, o garoto só me beijou porque queria mostrar que era" corajoso o suficiente para beijar a garota mais estranha do colégio".

    Por esses e outros episódios da minha vida, simplesmente desisti de ter amigos, me contentei em ter só a Lúcia, mesmo ela indo embora há um ano atrás, ela é e sempre será a minha única amiga.

    Desci do ônibus e caminhei para casa, o tempo continuava o mesmo da manhã, ao abrir a porta vi que a casa estava mais cheia que o normal, vovó e vovô estavam lá. Por instante eu me senti feliz, amo a vovó e o vovô, ficar com eles aquela tarde seria a melhor coisa do meu ano.

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    Mais uma manhã infeliz em que tenho que ir para a escola, mas é necessário para manter minha família feliz e fazê- Los acreditarem que eu sou normal, tudo o que eu faço é por eles. Talvez eu seja uma mentirosa também, finjo demais.
    
     Após um banho de 10 minutos, vesti calça jeans, como sempre, preta, a camisa de manga comprida, também preta, tênis All star (a marca nunca morre), e deixei meu cabelo solto, como sempre, vi o meu reflexo no espelho, ainda via a mesma pessoa de antes.

   -Você consegue Ayshila, é só. .. dar bom dia para algumas pessoas na escola e depois contar para a psicóloga, já é uma vitória.

    Depois dessas palavras de motivação de pouco efeito para mim mesma, mas tentei levar a sério o máximo.

    Esperei Minerva e nós fomos juntas para a escola, antes de entrar no ônibus, dei um abraço na minha irmã.

    -Por que você está fazendo isso? Você nunca faz isso !-perguntou estranhando a minha atitude.

    -Eu só quero que saiba que pode contar comigo sempre, para tudo o que precisar. -respondi sorrindo e minha irmã respondeu com o mais lindo dos seus sorrisos, me senti bem por isso.

    Me sentei sozinha no ônibus, mas ainda sim, eu sentia que estava fazendo progresso, a única pessoa que pode me tirar no fundo do poço sou eu mesma, e como nunca tentei, vou tentar agora.
    Quando cheguei na escola, desejei bom dia para algumas pessoas no corredor, umas responderam, outras não, enfim, era um progresso. Uma garota sentou ao meu lado na aula, no fim ela resolveu falar comigo.

    -Ayshila, não é? -perguntou.

   -Sim, por que?

   -Eu sou a Carolina, prazer. -estendeu a mão para mim, estava pronta para recusar, mas eu apertei a mão dela por educação.
   -Prazer. -quase sussurrei.

   -Olha, tem uma festa amanhã, e sabe, tenho te observado, não acho legal o que algumas pessoas fazem com você, eu só queria saber se você quer ir a essa festa comigo amanhã. -disse sorridente, eu não podia acreditar, ninguém nunca tinha me convidado para uma festa, sou desconfiada, mas Carolina não parecia uma pessoa ruim.

    -Olha, eu. ..-eu ia recusar, só que fui interrompida.

   -Por favor, vai, será divertido!

   Pensando naquela coisa tudo de tentar fazer amigos, decidi aceitar, meus pais iam ficar muito felizes.

     -Eu vou.

   Eu e Carolina trocamos números de celular, fui para casa ansiosa para contar aos meus pais que eu tinha feito progresso, do jeito que eles pediram. Pela primeira vez em tanto tempo, eu me sentia um pouco melhor.
   
  

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