Meus pais entraram no quarto assim que informados de que eu já estava acordada. Sinceramente, nunca tive tanta vontade de morrer, preferia mil vezes ter morrido do que ter passado por isso.-Ai filha, graças a Deus você está bem. -Minha mãe me abraçou, ela também tinha lágrimas nos olhos.
-Mãe...-sussurrei deixando outra lágrima rolar.
-Filha, não se preocupe. -disse meu pai segurando uma de minhas mãos. -Eu juro que vou fazer aqueles covardes pagarem pelo que fizeram com você.
-Eu quero ir para casa. -Falei num fio de voz. -Por favor.
-Nós vamos para casa assim que o médico der alta para você, tá bem? -disse minha mãe acariciando meu rosto, eu assenti.
Mais uma vez, o momento foi interrompido por uma enfermeira.
-Com licença, a polícia veio até aqui para que a senhorita possa prestar queixa. -informou a enfermeira dando passagem para um homem e uma mulher devidamente uniformizados.
-Precisamos do seu depoimento para podermos ir atrás dos responsáveis pelo crime. -falou o homem.
Eu respirei fundo, com dificuldade me sentei na cama.
-A senhorita Carolina Santana esteve na delegacia esta manhã e prestou queixa de um crime de abuso sexual e psicológico, no qual a vítima do primeiro é a senhorita.-falou a mulher.
-O que eles fizeram com ela?-perguntei, a voz saia vacilante.
-A forçaram a assistir, ela está traumatizada, mas suas feridas são completamente psicológicas, a senhorita por outro lado...-A mulher parou a frase nesse momento.-Vamos começar do jeito certo, sou a detetive Almeida e esse é o detetive Montes, pode descrever o que aconteceu?
Respirei fundo, mesmo que doesse, eu precisava falar.
-Eu não sei muito bem, eu fui dopada, só acordei algumas vezes, mas foi coisa de segundos. -contei sem me preocupar em conter o choro.
-O que você viu? -foi a vez do detetive Montes perguntar.
-Eu vi homens.-meu estômago embrulhou.-Um deles estava sobre mim, e eles riam...depois só senti dor...muita dor.
-Se lembra do rosto de algum deles?
A detetive perguntava enquanto o parceiro fazia anotações.
-Um deles era moreno, cabelo curto... não lembro de nada além disso.
-Obrigada, faremos o possível para que eles sejam presos e punidos a altura. -disse Almeida se retirando com Montes logo atrás.
A sensação de vazio no meu peito estava preenchida por dor, desespero e tristeza, sendo que o último sentimento já é meu companheiro de anos. Por que eles não me mataram? Seria tudo tão mais fácil para mim agora, eu não precisaria saber o que aconteceu. Me sinto suja, por dentro e por fora. Covardes. Quando penso que tudo estava prestes a acabar, algo trágico me acontece, assim não dá.
Minha mãe tentava me confortar e meu pai andava de um lado para o outro freneticamente, havia uma manifestação de desespero diferente em cada um de nós, o meu era traduzido em lágrimas, o do meu pai em estresse, o da minha mãe era disfarçado por uma calma sobrenatural.
Horas depois, tive alta, meus pais me colocaram no carro para ir para casa, e eu já tinha tudo na cabeça. Quando chegamos em casa, com dificuldade, subi as escadas até o meu quarto, sentei à escrivaninha e comecei a escrever cartas, uma para meus pais, uma para vovó e vovô, uma para Lúcia e outra para Minerva, as únicas pessoas que amo.
Mãe e pai,
Eu sinto muito por ter deixado vocês, mas a minha dor já não era mais suportável, sei que fizeram tudo o que podiam por mim, e fico mal por não ter adiantado. Agradeço por não terem desistido de mim, por cuidarem de mim e por me amarem, por estarem ao meu lado desde que nasci, vocês foram a minha maior motivação para suportar tudo até agora, mas chega uma hora em que não dá mais.
Perdão mais uma vez, eu amo vocês.
Sua filha, Ayshila.Vovó e vovô,
Eu peço desculpas pelo tempo que não pudemos passar juntos, peço desculpas por todas as vezes em que deixei de visitar vocês, peço desculpas por não ter aguentado continuar aqui para vê- los de novo, vocês são duas das pessoas mais importantes para mim, obrigada por tudo.
Eu amo vocês e sinto muito pelo que estou fazendo.
Sua neta, Ayshila.Lúcia,
Você não foi só irmã mais velha, e sim minha melhor amiga, minha única amiga, espero que me perdoe algum dia e quero que saiba que a culpa não é sua, você me fez feliz, você merece continuar sendo feliz, não me odeie pelo que estou fazendo, eu não achei modo mais fácil de acabar com a minha dor, estou desesperada.
Eu amo você e peço que seja feliz.
Sua irmãzinha, Ayshila.Minerva,
Me perdoe por todas as vezes em que tomei a atenção de nossos pais para mim quando você precisava dela, por não ter sido a irmã que você merecia e nem um exemplo a ser seguido, por não ter dado bons conselhos e por ter sido indiferente, eu fui uma pessoa ruim para você, mas eu te amo e quero que siga em frente, você é forte, você é linda, e vai conseguir tudo o que quiser na sua vida.
Amo você.
Ayshila.Escritas as cartas, era hora de agir, de acabar de vez com a dor, abri o armário e peguei o frasco de calmantes, com um copo de água em mãos para ajudar, mandei para dentro, a quantidade correta eu não sei, só sei que foram muitos, em apenas alguns minutos minhas pálpebras pesaram. Era isso, eu estava indo, adeus mundo.

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Liberdade
AcakA felicidade não é encontrada em comprimidos, não. Essa é uma estória sobre liberdade, mais precisamente a luta por ela. Uma distopia onde a luta não é só pela liberdade política, mas por algo a mais...