Capítulo VI - Professor Medeiros

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Raquel mostrou o quarto que Milena ocuparia e a deixou, alegando ter assuntos pessoais para resolver. Recomendou que ela tomasse um banho e descansasse. Era um quarto simples, muito parecido com o de sua casa, com uma cama de casal, um abajur ao lado da cama, uma mesa de estudos, um guarda-roupa embutido, um banheiro com pia, um espelho e chuveiro quente.

Ao entrar no banho, se deixou vencer pelas lágrimas. Seu pai, sua madrasta e Suzy possivelmente tinham morrido. No entanto, algo a fazia acreditar que pudessem ter escapado, e tinha uma convicção ainda maior sobre sua mãe. Ela estava viva. Sentia isso na alma de uma forma sobrenatural. A mulher que lhe gerara e a criara em parte de sua infância continuava por aí, bem viva, correndo perigo talvez. Mas quanto a seu pai, Joana e Suzy, não tinha tanta certeza. Apegava-se a essa ideia mais como uma recusa. Era uma garota racional e logo a ficha cairia. Só restava a ela acumular forças para se vingar dos vampiros que mudaram seu destino.

Enquanto enxugava os longos cabelos, Milena parou para pensar na primeira impressão que teve daquela que seria sua mentora pelos próximos meses. Raquel parecia ser forte, independente e inteligente, do tipo que toda garota sonhava ser. Também era linda, mesmo estando fora dos padrões de beleza convencionais. Tinha o corpo mais cheio e curvas longas que, de certo, arrasava corações de muitos homens, ou lobisomens. Milena não arriscava adivinhar quantos anos ela tinha, talvez tivesse trinta e poucos, mas, sendo uma lobisomem, não podia saber.

Estava tão imersa nesses pensamentos que se sobressaltou ao ver Raquel sentada em sua cama ao sair do banheiro.

— Desculpe, não quis assustar. Coloquei umas roupas dentro do armário, acho que são o seu número. Suas outras roupas vão chegar amanhã, já mandei buscar em sua casa.

— Eu mesma não posso ir buscar, não é?

— Não, e você já sabe o porquê. Enquanto uma crise nervosa puder lhe transformar em uma besta incontrolável, nenhum humano próximo estará seguro.

— É, estou sabendo. - respondeu, indiferente.

— Venha comigo até a cozinha.

— O que vamos fazer lá?

— Tem alguém que precisa falar com você.

— Alguém?

Quem sabia que ela estava ali? Será que algum de seus colegas ou professores tinha sobrevivido? Será que era seu pai, ou Joana, ou Suzy?

Seu queixo caiu quando viu quem a esperava. Nem de longe sonhava que ele poderia estar ali.

— Professor Medeiros? O que...? Mas que diabos...? o que faz aqui, professor?

- Desculpe aparecer assim. - respondeu o velho professor. - Mas precisava saber de você. A última vez que a vi... bom, você com certeza não se lembra, estava muito ocupada retalhando todos que chegavam perto.

— Quando... me transformei?

— Fui eu quem a imobilizou, por assim dizer, e a trouxe para cá. Felizmente consegui entrar em contato com a Raquel e tudo correu bem pelo visto.

— Não me diga que o senhor também é um... é um...

— Lobisomem? — riu o professor. — Não, não, negativo, embora você esteja esquentando. Mas, Raquel, você não contou o que aconteceu a ela?

— Contei o que considero importante. - disse a lobisomem secamente.

Milena notou a ênfase na palavra, embora não soubesse o porquê Raquel parecia tão fria com o professor Medeiros. Mesmo atordoada pela carga de informações a que fora submetida, sentiu-se aliviada e muito feliz com a presença do professor. Ele era um exemplo, tanto para ela quanto para os seus colegas. Apesar de ser bem mais velho, tendo por volta dos sessenta anos de idade, o professor mantinha boa forma, invejável a qualquer jovem, e se vestia de maneira impecável e elegante, causando suspiros por onde passava. Tinha a pele morena, cabeça sempre raspada à navalha, exibindo uma careca reluzente, um cavanhaque cortado minuciosamente com tesoura, os pelos prateados e um corpo magro, porém musculoso, com seus um metro e setenta e cinco de altura. Vestia um conjunto de roupas que para ele era quase um uniforme: blazer slim fit em lã marrom escura, calça do mesmo modelo, blusa de lã azul escura com gola alta e sapatos pretos com solado de couro. Era o professor de história dos três anos do ensino médio do antigo colégio de Milena, e pouco se sabia sobre o seu passado, apenas que ele fora sargento do exército brasileiro, na ativa desde antes da Segunda Revolução Militar. Apesar de ser bem fino e educado, ele nunca falava sobre o passado, e ninguém tinha a ousadia de perguntar, por respeito e admiração.

— Me atrasei para a festa de vocês. — disse ele — Fui distraído, caí numa armadilha. Coisa simples, mas há tanto tempo não tinha contato com essas criaturas que admito, estava meio enferrujado. Foi fácil me livrar deles, mas me atrasaram o suficiente. Sinto muito por seus pais, seus amigos e por todas as vítimas.

— Mas por que aqueles vampiros queriam atrasar o senhor?

— Bom, não posso falar muita coisa..., mas sou uma espécie de proteção contra a atividade deles na cidade. Pelo menos a atividade descarada, alguns conseguem ser bem discretos e passam despercebidos. Mas se eu estivesse por perto, nunca um ataque como aquele aconteceria. Sinto muito mesmo, mais uma vez.

— Não me esconda nada, professor! — a menina bateu com as mãos na mesa, mas nem o professor nem Raquel se alteraram. — Eu preciso saber de tudo, e como o senhor sabe o que eu sou? E o senhor? O que é?

— Na hora certa você saberá o que sou. Mas posso contar que, devido a minha posição na cidade, um dos meus deveres é vigiar pessoas, crianças ou adultos que como você, possui certo potencial mágico adormecido. Quando tomei conhecimento sobre você, filha da lendária Helena, me surpreendi. Foi muita coincidência que tivesse ido parar na mesma escola onde eu lecionava. Logo vi tinha herdado os genes especiais, mas como você vivia em uma família humana comum, e até hoje o paradeiro de sua mãe é desconhecido, presumi que minha única função seria realmente vigiar e proteger você sem que você precisasse saber de alguma coisa.

— Sua mãe, Milena, — emendou Raquel — não deixou nenhuma ordem ou pedido a nós, por isso preferimos manter o silêncio. E seria mais fácil para o professor Medeiros vigiá-la, já que ele estava inserido na sociedade humana, o que é bem difícil para muitos de nós.

— Ela tem razão, mas a minha atual missão aqui, Milena, é auxiliar Raquel em seu treinamento inicial.

— Não será necessário, professor! — interpôs Raquel.

— De modo algum. Eu sei que a garota terá de ficar aqui até os outros voltarem das férias e sei o quanto de dificuldade ela vai passar...

— Milena, poderia nos dar licença, por gentileza? — disse Raquel com frieza na voz.

A garota aproveitou a deixa para retirar-se do recinto. Parecia que havia certa animosidade entre os dois, como um casal recém divorciado. Mas a jovem não pensaria em casal mais improvável do que o velho e calmo professor e a jovem e imponente Raquel. Além do mais, ela tinha questões mais importantes para pensar.

A cada carga de informações que recebia, ficava mais evidente que sua mãe era alguém importante no mundo dos lobisomens. O quanto ela seria importante? E será que foi por sua importância que desapareceu? Talvez para proteger a vida de seu marido e de sua filha? Situações assim, Milena assistia em vários filmes e lia em vários livros, casos em que uma pessoa foge para proteger quem ama, pois, se ficasse por perto, seria muito perigoso para todos.

Quando Raquel a intimou a permanecer ali, Milena havia jurado interiormente procurar a mãe, já que não tinha provas de que estava morta.

Luz da Lua - A Caçada do Imortal (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora