Capítulo 4

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A volta para a comunidade foi marcada por incontáveis perguntas em minha mente. Até então, apenas tinha a esperança que ainda haviam outros sobreviventes perto de nós, mas agora podia ter certeza. Não sabia quem eram ou aonde estavam, e isso me enchia de curiosidade, trazendo algumas dúvidas junto, como quem era Cochise, e o que aqueles homens queriam dizer com "matar apenas militares". Podia não saber o que estava acontecendo, mas Benjamim sabia, e em breve iria até ele procurar essas respostas.

Ao entrar na comunidade, fui rapidamente para meu dormitório, me certificando que ninguém havia me visto. Ao chegar, tirei minhas roupas rasgadas, e comecei a cuidar dos arranhões que havia ganho fugindo na floresta. Minhas mãos, braços, e principalmente joelhos estavam machucados, e precisaria usar roupas mais largas para escondê-los até que melhorassem. Com o passar do tempo, aprendi a me cuidar sozinha, não por opção, mas por necessidade. A verdade é que não me importava muito com isso. Não queria ser a mesma garota que dependia de todos para qualquer coisa. Talvez eu estivesse crescendo, ou apenas percebendo que aos poucos, sobravam cada vez menos pessoas para cuidar de mim.

Logo após me trocar, me sentei na cama repensando o dia que tive, e decidindo se contaria ou não para Noah o que havia acontecido. Não sei se era seguro envolvê-lo em tudo isso, mesmo sabendo que sempre contávamos as coisas um para o outro, e que se guardasse segredo e ele descobrisse, não me perdoaria. Não queria que ele corresse perigo, porque se algo acontecesse com ele... é melhor nem pensar nisso.

Por um instante, levantei minha cabeça e observei a pequena caixa de papelão que estava no canto do quarto. Era ali que estava guardado a carta que Allan havia escrito para mim. Já havia lido e relido inúmeras vezes, e em todas elas, era como viajar para o passado. Mas dessa vez era diferente, olhar para caixa me lembrava de algo que precisava fazer hoje. Estava tentando evitar fazer aquilo a muito tempo, e sabia que estava mentindo para mim mesma, dizendo que havia passado o dia fora por causa de Rachel. A verdade era que estava fugindo esse tempo todo, porque ainda não havia me decidido. Depois de alguns minutos de uma guerra interna dentro de mim, resolvi me levantar e caminhar até onde tudo havia terminado.

Saí do meu dormitório e comecei a caminhar até o telhado da comunidade. A cada passo que dava, as lembranças invadiam minha mente, e podia reviver toda aquela maldita cena mais uma vez. Os flocos de neve caindo meus cabelos, o rosto molhado pelas lágrimas, e minhas roupas totalmente sujas de sangue. Durante muito tempo estava evitando voltar para esse lugar, mas hoje era um dia diferente dos outros. Hoje completava cinco anos desde que Allan morreu, e aquilo me trazia sensações estranhas, das quais estava tentando fugir desde que tudo aconteceu.

Pouco tempo depois, havia chegado na porta que dava acesso ao telhado. Respirando fundo, a abri e subi as escadas. Minhas pernas tremiam, como se não quisessem estar ali. Meu coração aos poucos ia acelerando, e meu estômago começou a revirar dentro de mim no mesmo instante em que me abaixei no local onde Allan havia sido morto. Minha garganta havia dado um nó, mas simplesmente não consegui chorar. Talvez com o tempo, de tanto chorar antes dormir, minhas lágrimas acabaram secando.

– Sabe o motivo pelo qual gosto tanto desse lugar? – gritou Jake do outro lado do telhado, chamando minha atenção. – Acho interessante observar as estrelas. Já parou para pensar que mesmo com toda essa merda acontecendo, elas continuam ali, intactas, enquanto o restante do mundo acaba aos poucos?

– Não Jake, na verdade nunca parei para prestar atenção nisso. – respondi, sabendo que ele apenas queria puxar assunto, e aquele não era o motivo para ele estar ali.

Jake não havia mudado nada desde que o vi pela primeira vez. Talvez tenha envelhecido um pouco, mas por dentro era a mesma pessoa que sempre foi. Nem mesmo com os horrores que ele presenciou como capitão da guarda, patrulhando pelas ruas e casas tomadas pela neve o transformara em alguém ruim. Muitos soldados voltaram das patrulhas diferentes, frios, tristes, e cada vez mais se tornavam pessoas amarguradas. O apocalipse estava mudando cada um deles, mas com Jake era diferente. Sempre que voltava, parecia deixar todos os problemas do lado de fora da comunidade, e recebia Noah de braços abertos. No fundo sabia que Noah tinha muita sorte de tê-lo como pai, e acho que ele também sabia disso.

A Promessa - Sobrevivendo Abaixo de Zero - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora