Capítulo 38

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— Como ela morreu? — perguntou meu pai, em um tom triste, enquanto me envolvia calmamente em seus braços.

Estávamos acomodados em um pequeno colchão de solteiro estendido sobre o chão frio de um dos andares do que havia sobrado do que um dia, foi um shopping. Com a longa caminhada que Kohana e eu fizemos até a Resistência, pedi a Cochise que descansasse por algum tempo antes de voltar para a Colônia. Aproveitaria a oportunidade para ficar de olho em Cassandra, e tentar ter mais uma conversa com Cochise antes de ir embora.

— Saqueadores. — respondi, me relembrando daquele dia. — Eles tentaram levar nossos suprimentos, mas minha mãe não quis entregá-los.

Enquanto conversava com meu pai, era possível ver vários moradores transitando perto de nós. Aquele colchão parecia pouco, mas era mais do que a maioria daquelas pessoas tinham. As condições precárias faziam com que adoecessem, e muitas daquelas pessoas não sobreviveriam por muito tempo, já que a Resistência não estava abastecida com remédios, como a Colônia.

— Eu sinto muito por não estar com vocês. — respondeu meu pai, me envolvendo ainda mais em seus braços.

Com alguns minutos de conversa, meu pai me contou o que havia passado desde que o apocalipse começou. O exército havia cercado as cidades, controlando a entrada e a saída de pessoas, para que elas não levassem os poucos suprimentos restantes no local. Como meu pai morava em outra cidade desde o divórcio, ficou impossível chegar até nós pela estrada principal.

— Você está aqui agora, isso que importa. — disse, lhe dando um beijo no rosto.

— Mas estava ausente quando mais precisou. — respondeu ele, com um semblante bastante cansado. — Como... como conseguiu chegar até uma comunidade sozinha?

— Eu encontrei um homem. — respondi, me lembrando de Allan. — Bem, na verdade ele me encontrou. O nome dele era Allan, e se estou viva, devo isso a ele.

— Eu adoraria conhecer ele. Preciso agradecê-lo por ter te mantido em segurança. — disse meu pai, que percebeu meu semblante triste.

Antes que pudesse explicar para ele o que havia acontecido com Allan, uma cena me chamou atenção. Um homem estava furioso com uma criança, que o pedia um pouco de comida. Ele gritava e gesticulava para que ela saísse dali, e não demorou muito para perceber que era Anna, a mesma garota que estava brigando com um garoto por causa de um biscoito, até Cochise intervir.

O homem argumentava que ela já havia comido sua parte, mas era visível que não era o suficiente para Anna. Ela estava muito magra, e parecia não comer a dias. Fraca daquela forma, as chances de acabar adoecendo eram muito grandes, e não podia apenas ficar olhando tudo aquilo acontecer.

Como Cochise havia me dado uma pequena sacola com alguns suprimentos para passar a noite, conversei com meu pai sobre a possibilidade de darmos uma parte a ela. Não parecendo surpreso com meu pedido, mas bastante orgulhoso, meu pai concordou com a ideia. Então, sem demoras, me levantei e caminhei em direção a ela, e me abaixando, disse:

— Pode ficar com um pouco da minha parte.

— Eu não entendo... por que?

— Porque não posso deixá-los esquecer que fazem parte da família. — respondi, me lembrando de Anthony.

— Os adultos dizem que estamos em lados opostos. — explicou Anna. — Como somos da mesma família?

— Somos sobreviventes, Anna. Lutamos para chegarmos aonde chegamos, e perdemos pessoas que amamos pelo caminho. Não somos diferentes uns dos outros, nunca fomos.

A Promessa - Sobrevivendo Abaixo de Zero - Livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora