Capítulo Cinco

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A chuva cai forte do lado de fora do navio. Ouço um trovão ressoar forte e estremeço.

    Emile resolveu ir ao complexo de lojas em um dos andares enquanto eu preferi ficar no quarto. A porta de vidro da sacada está fechada, mas ainda assim um pouco de água consegue entrar pelas frestas, molhando o carpete felpudo. Um arrepio percorre a minha espinha quando olho para o lado de fora. O céu está completamente escuro, impossível dizer que são apenas 11h horas da manhã. O movimento do barco se agita de leve e sinto meu estômago revirar.

     Mais uma vez um trovão soa estrondoso do lado de fora e, de repente, as luzes se apagam. Conto os segundos para a eletricidade voltar com o ligamento do gerador, mas os minutos se passam e as luzes nunca voltam a acender. Um mau pressentimento me ocorre. Alguma coisa errada, muito errada, está acontecendo por aqui.

    Corro para a varanda e vejo que o nível de água que marcava a parte mais baixa do casco agora está mais alta e uma leve inclinação para esquerda da embarcação tira o meu equilíbrio. Os alarmes soam nos alto falantes. É uma situação de emergência.    
    Estamos afundando.

    Abro a porta e corro para os elevadores, assim como todo mundo, mas eles não estão funcionando por causa do apagão. Algumas pessoas tentam em vão apertar os botões do transporte na esperança de que ele volte milagrosamente a funcionar, e em pânico o resto das pessoas do andar correm em direção às escadas e vou junto com elas. Nos degraus escuros, os passageiros se amontoam e o pouco visível é graças às luzes de emergência e as telas acessas dos celulares.

    A subida para o convés do navio é lenta, pois o fluxo de pessoas que tentam usar a mesma trajetória de fuga é incessante. Alguns caem e são pisoteados no caminho, tento carregar um velha senhora que desabou no chão, mas a sua perna parece quebrada e não conseguimos sair do lugar.

    — Não tem jeito, você precisa ir.— ela diz em lágrimas. Grito desesperada pedindo para que alguém me ajude a carregá-la, mas as pessoas apenas fogem, ignorando nossa situação.

    — Não vou deixar a senhora sozinha aqui. Vou subir para buscar ajuda.— afirmo.

    Ela assente com a cabeça e corro em disparada, me espremendo dentre a multidão a procura de alguém da equipe de resgate do navio.

    Depois de uma longa e cansativa subida de degraus, desviando de alguns corpos pisoteados no chão, consigo chegar a cobertura do navio onde milhares de passageiros se amontoam. Assustada, noto que a água escura já cobre a parte do barco tombada para a direita enquanto a equipe de funcionários entrega as boias. Alguns pequenos barcos de emergências, que cabem cerca de vinte pessoas, já estão à deriva nas águas agitadas do oceano. A chuva cai forte e muitos raios ameaçam acertar o navio.

        Reconheço alguns colegas de classe chorando em desespero na multidão, mas não avisto Emile. Pergunto se a viram, no entanto eles respondem que não ou simplesmente não respondem. Desisto deles e me aproximo de um dos marinheiros que entrega as boias e falo sem fôlego por causa da corrida:

    — Tem... uma senhora.... nas escadas.... que precisa.... de ajuda!.... Ela quebrou.... a perna... e não consegue andar! Por favor, ajude!

    — Todos os nossos agentes já estão ocupados ajudando as pessoas aqui em cima, se ela não tiver subido a essa altura deve ter se afogado com o nível da água. — ele explica impaciente e me entrega um colete.

    — Mas ela está lá sozinha! Vocês não podem abandonar uma idosa para morrer!
    — Sinto muito, garota. A regra aqui é salve-se quem puder!

    Indignada, corro em direção às escadarias por onde vim, ninguém mais está subindo nelas. Por um segundo tenho a esperança de que a senhora conseguiu e está segura em algum dos pequenos barcos no mar. Mais à frente, quando desço, vejo que o nível da água de fato já avançou muito e a escada encontra-se impossibilitada de ser utilizada. Algumas malas e objetos boiam sobre a água turva. Mergulho na tentativa de chegar mais fundo, mas não encontro nada além de quinquilharias e cadáveres afundados.

INCAENDIUM: Entre MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora