Capítulo Dez

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A manhã do nosso oitavo dia como náufragos logo chegou. Acordamos cedo e terminamos de arrumar nossas coisas. O que não era muito. Carregávamos somente o necessário somando duas mochilas preenchidas com alguns pares de roupa, três latas de enlatados e cinco garrafas com água de coco. Parecia ser o suficiente  para nos virar por um dia dentro da mata fechada. Ela se tratava claramente de um floresta  tropical, suas densas copas de árvores e plantas exóticas davam ao lugar um ar de perigo e isolamento da civilização.

Pensativa, amarro os cadarços da bota esportiva que achei nos pés de uma mulher morta. Nos dias que se passaram coletamos alguns itens úteis a nossa sobrevivência incluindo as vestimentas dos mortos amontoados na praia. Ellen quase vomitou quando descobriu que a calça preta que ela usava tinha vindo de uma das meninas da nossa sala, cujo cadáver apodrecia na areia. Mas afinal, o que ela esperava? Infelizmente não haviam lojas das grifes que ela devia usar, na ilha selvagem.

O número dos sapatos é um a mais que o meu, mas eles caem bem nos meus pés. Melhor que meu velho tênis All Star branco, cujo lado direito se perdeu no mar. Ponho uma camisa creme de alças bem leve e um short jeans. Na mochila carrego mais outros 3 pares de roupas assim como os outros. O pouco espaço disponível tinha que ser igualmente divididos com o resto do pessoal.

Alex se aproxima de mim e senta ao meu lado, ele parece nervoso, assim como eu, pelo que estamos prestes a fazer.

    — Preparada? — ele pergunta sem disfarçar a tensão na voz.

    — Não mesmo. Sinto que vou vomitar a qualquer momento. Daria tudo agora para estar em casa. — digo

    — É... Talvez a floresta não seja tão perigosa quanto parece. Olha só os pássaros coloridos que costumam sair de lá para voar na costa. Eles são bem amigáveis.

    — Não quando eles nos olham como se fossemos intrusos.— adiciono, amarrando o outro lado da bota. Alex não responde. Ele pode ser muito inteligente, porem um de seus defeitos é o fato de ele não ser uma pessoa muito corajosa. Lembro quando ele se assustou quando um carangueijo agarrou a sua blusa enquanto ele estava deitado na areia. Ele ficou tão assustado com o artrópode pendurado em suas costas que não conseguiu dormir a noite, esperando que outros aparecerem para subir em cima dele.

    — Sabe, a vida que levava eu Torneland não era muito boa.— Alex comenta— Na verdade eu odiava aquele lugar, especialmente porque eu tinha que viver com a minha tia. Por tantas vezes eu esperei que alguma coisa acontecesse e eu me visse longe de tudo e de todos, que meu desejo acabou se concretizando . Acabar aqui não era o que eu esperava, claro. Mas parece uma segunda chance pra recomeçar. Depois do que passamos na tempestade.— ele adiciona por fim.

Fico sem palavras diante do que ele me diz. Por coincidência, sua vontade se parecia com a minha de poder escapar dos problemas que me assolavam em Torneland. Quer dizer, Ainda carrego as memórias e às consequências do que vivi nos últimos meses, mas estou tão ocupada em me manter viva na ilha perdida que mal tenho tempo de pensar nos meus pais ou em tudo que deixei pra trás. Entretanto, quando a ficha cai de que estou na verdade presa nesse lugar e não livre para ir aonde quiser, como eu planejava, de que nunca mais vou ver e ouvir minha família, O desespero me abate e acho vou que ser destruída  pela aflição do sentimento. Se continuar viva na ilha é uma segunda chance ou não, não sei dizer, mas que tudo ao meu redor conspira pra dar errado, disso sim eu tenho certeza.

A voz de Jake chamando me acorda dos meus devaneios. Levanto rapidamente junto com Alex. Estamos finalmente  prontos para começar a jornada na selva .

Com todos os itens preparados, avançamos em direção a mata. Morrison , que carrega uma das mochilas, é o primeiro a entrar, depois Jake com a outra bagagem, Ellen, Alex e eu.

A primeira coisa que vejo é o quanto a floresta é densa. Árvores de tamanhos opulentos cobrem nossas cabeças e macacos pulam pelos galhos. Ouço cantos de pássaros dos mais variados tipos, desde os mais melodiosos aos menos agradáveis ressoarem pela copas.

Observo dois pássaros lado a lado nos observando curiosos, eles são de uma espécie exótica que nunca vi. A calda é longa quase do tamanho do meu braço e a plumagem delas se divide em um marrom claro salpicado de pequenas manchas brancas. O peitoral e as asas são de uma coloração intensa de azul e penas incrivelmente douradas adornam desde o pescoço até a cabeça. Seus olhos medonhos, envoltos por manchas brancas, são a característica que mais chama a atenção, são miúdos e vermelhos como sangue. Uma delas abre o bico e guincha tão alto que precisamos tapar os ouvidos.

Um banco de macacos agitados saltam pelas árvores. Eles conseguem ser ainda mais estranhos que as aves. Sua pelagem amarelada recobre quase todo o corpo com exceção da calda ,das mãos e  pés que são tingidas de castanho. Uma coloração azul delineia e preenche o rosto em formato de coração. A boca, de onde pende duas presas finas e letais, tem uma certa elevação em contraste com a cabeça e eles não possuem narizes. No local da parte faltante jazem dois orifícios como de caveiras e os olhos são negros e redondos.

    — Que bichos horríveis! Nunca vi nada parecido antes! — Ellen exclama surpreendida.

    — Claro que não Ellen. Como poderia ? Você nunca chegou perto de um lugar assim.— Jake fala sarcástico.

    — Não é verdade. — ela resmunga ofendida— já fui num zoológico uma vez... quando eu tinha 4 anos.

    — Eu acho que eles não estão muito felizes de nos verem aqui.— Alex comenta— devem saber que somos forasteiros.

    Ele se encolhe e engole em seco. Visivelmente é o mais assustado do grupo.

    — Não encarem, pessoal. Eles podem se sentir intimidados e atacar.— Jake fala quando um deles se balança furiosamente em um galho. Deduzo que ele faz aquilo por estar claramente incomodado com nossa presença.

    — Ah meu Deus! Uma cobra!— dispara Ellen. Olho para onde ela aponta e enroscada em uma árvore de tronco médio, vejo uma cobra enorme seguir seu caminho se enrolando e rastejando com agilidade, a fim de chegar ao topo. Ela se destaca da vegetação por possuir uma cor alaranjada e ter listras brancas. Faço uma nota mental de me lembrar de não subir em árvores caso eu venha a ter de fugir de uma cobra dessas. Com certeza mortal, a coloração exibe uma advertência para os outros bichos se manterem distantes.

    — Calma! Sem alarde! Ela está longe. Todos estão longe, se mantenham atentos e cuidadosos.—Jake diz, ele faz um bom trabalho ao acalmar a ruiva. A minha frente sinto Alex fazer uma careta.

INCAENDIUM: Entre MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora