Capítulo Oito

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     Surpreendentemente Jake tinha um canivete no bolso, perguntei a ele o que um garoto faria com aquilo num cruzeiro de luxo, mas ele deu de ombros dizendo que a vida de escoteiro o tinha ensinado a sempre se precaver. 

     Com agilidade, ele cortou a parte mais grossa do coco e fez um furinho na mais fininha. Bebemos avidamente até a última gota e depois dividimos um dos pacotes de bolacha de morango que sobrou. Ele fez menção de caminhar na praia para procurar por sobreviventes, porem eu o persuadi a ficar descansando mais um pouco porque ele ainda estava fraco.

     Não falamos mais nada durante a tarde que se estendeu, além do necessário. E quando menos esperávamos, o tempo fechou e fomos agraciados com uma chuva passageira.

     As memórias de agonia do temporal torrencial que mudou nossas vidas, invadiram minha mente enquanto as gotas de chuvas caiam sobre nós. Olhei para Jake e vi seu maxilar rígido e a expressão distante e angustiada provavelmente revivendo o mesmo pesadelo.

Durante o cair da noite, uma brisa fria tomou conta do lugar e logo nos apressamos para fazer uma fogueira. Nosso jantar foi as sobras dos cocos abertos pela manhã rudemente quebrados nas rochas da praia.

      Jake comentou algo sobre nunca ter comido algo tão bom em toda a sua vida enquanto eu o ignorei. Estava ocupada olhando as estrelas.

    Me peguei pensando que meu sonho de infância era poder dormir todas as noites sob o relento para poder observá-las. Sempre as achei fascinantes e até cogitei estudar astronomia na faculdade. Mas, agora, ao me deparar com a falta de um teto e ter de encarar passar a noite em uma porção de terra perdida no meio do nada, decidi que não era o tipo de experiência que eu idealizava na infância.

    A lua cheia iluminava a escuridão me fazendo lembrar das lendas e mitos sobre as noites desse período lunar. E de muito longe tive a impressão de ter ouvido um uivo solitário de dentro da selva. Ignorei o devaneio e fechei os olhos. Mitos em torno de uma lua farta e brilhante seria o menor dos meus problemas no momento.

                              ************

Jake foi o primeiro a acordar. Cheio de vigor e energia ele se propõe a pescar alguns peixes na enseada. Pega o teto tosco da cabana e o aprimora na intenção de transformá-lo numa rede de pesca. Enquanto isso eu procuro mais alguns gravetos para fazer a fogueira que cozinhará nosso café da manhã.

      E de repente, avisto uma pessoa andando solitária na praia.

A pessoa também percebe nossa presença e balança os braços para ser vista, ela corre em nossa direção. Tensa e cautelosa largo os galhos e me junto à Jake que segue na frente e logo penso nos habitantes que residem no lugar. Mas quando a figura se aproxima o suficiente percebo que se trata de um rapaz, alto e de pele escura, ele veste uma calça jeans azul e um casaco verde.

— Morrison, é mesmo você cara?— Jake pergunta.

— Mas é claro. Quem mais seria? Vaso ruim não quebra mesmo, não esperava de encontrar aqui!— o garoto responde.

Vejo que ele está suado e de jeito nenhum parece melhor que nós, ele ofega enquanto saúda Jake.

— E aqui temos mais uma sobrevivente pra somar o bando. Deixei outros dois do outro lado da costa pra vir aqui.

— Quer dizer que há outros? — indago surpresa— procurei ontem o dia inteiro e não achei mais ninguém com vida.

— Eles também são da escola. Parece que os estudantes da Wallace Cadawell tiveram mais sorte que os outros passageiros do navio. — o rapaz comenta irônico— achamos alguns suprimentos por lá acho que seria bom se vocês fossem comigo ate o outro lado.

— Comida de verdade? Não brinca. Desde ontem só como coco. — Jake diz— O que você acha Elize?

— Tudo bem. Não Tem mais nada aqui pra gente mesmo.

— Não vai demorar muito pra chegar lá— Morrison informa—deve fazer cerca de uma hora que estou andando.

Juntos recolhemos a mochila e o que sobrou de ontem dos cocos. Jake diz que não conseguiu pegar nenhum peixe, a tarefa não é tão fácil quando não se tem um anzol. 

    Depois de caminharmos alguns quilômetros, de longe avisto as duas outras pessoas que estão sentadas na areia. Ancorado no raso, reconheço um dos botes salva vidas que algumas pessoas usaram para tentarem se salvar do naufrágio do cruzeiro. Me pergunto se esse mesmo barco não era aquele que transportava o Capitão David. Enfim, seja lá quem ele levava nunca saberemos, pois não sobrou um tripulante para contar a história.

      Ao chegar mais perto dos adolescentes sentados na areia, me deparo com o garoto que sentou ao meu lado no voo para a cidade litorânea, Alexsander, e uma ruiva alta e esbelta que derrubou meus chocolates na loja de doces do cruzeiro cujo nome não sei.

     Percebo que seu cabelo está diferente da época em que a vi no navio. Ele costumava ser liso e comprido, entretanto, agora ele está bem volumoso e por isso parece menor, alem de estar densamente cacheado em curvas  rebeldes. Decido que a prefiro assim.

— Elize! Que bom te ver por aqui! — Alexsander fala— quer dizer, não aqui perdida nessa ilha, mas viva e bem como a gente.

— Jake!— a ruiva levanta em um salto , ela sorri de orelha a orelha— você está vivo!

Então ela o abraça e ele retribui um pouco sem jeito adicionando:

— Megan não está com vocês?

Megan. A capitã das líderes de torcida. Flashes de memória invadem minha cabeça e revivo o momento angustiante do naufrágio: a haste do guarda-sol perfurando lhe a barriga imaculada outrora tão exibida pela área de banho. Seu Sangue escorrendo do ferimento e sendo lavado pela água da tempestade.

     Afugento as imagens, contenho uma careta e tento me concentrar na conversa.

Ela balança em negativo a cabeça mudando instantemente seu semblante para triste, parece engolir em seco, senta de volta em seu lugar e olha para o chão quando diz por fim:

— Não sei o que aconteceu com ela ou as outras.

Jake assente.

— Outros podem estar vivos por aí assim como nós . Vocês viram algum navio, avião ou sinal de resgate por aqui?

Em uníssono eles respondem que não. O pingo de esperançava que eu ainda tinha em mim se desagarra de forma dolorosa, levando um pedaço do meu peito e  deixando um rombo. Jake não precisa dizer mais nada para eles entenderem que nós também não.

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