Capítulo Um - Parte 1

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     Corra.
     Corra o mais rápido que puder. Corra como se não houvesse escapatória. Corra como se não houvesse amanhã. É o que minha mente me dizia enquanto eu fujo em disparada por um caminho incerto e perigoso a minha frente. Galhos me arranham, gravetos estalam, folhas caem, conforme eu corro cada vez mais rápido. Sinto o vento açoitando meu rosto e incorporo a sua velocidade às minhas veias. Agora eu sou a luz viajando através do espaço, sou as corredeiras de um rio agitado, sou uma águia planando no céu .
     Mas então eu caio.
     Enraízo na terra e a escuridão chega.
                                                                 ****

      Acordo num sobressalto ensopada por uma camada espessa de suor. Envolta pelo breu noturno, respiro aliviada. É só mais uma noite quente de verão.

      Por mais que a temperatura abaixe um pouco depois que a noite cai, o clima tórrido e abafado da tarde ainda parece perdurar até as altas horas da madrugada, embora as janelas fiquem abertas e uma tímida brisa agite a cortina de vez em quando pelo meu quarto.      

     Olho no relógio e vejo que são apenas 4h da manhã, o que para mim não é nada de incomum, visto que nas últimas semanas, repetida vezes, acordo mais ou menos nesse horário depois de ter  pesadelos. E o mais perturbador é que são sempre os mesmos sonhos, quando não estou correndo em pânico no que me parece ser uma floresta, estou me afogando na medida que aspiro e engulo enormes golfadas de água e sou cercada por um oceano profundo e gélido. Pra falar a verdade, ter sonhos agradáveis nunca me foi uma realidade muito próxima, uma vez que nas poucas vezes em que sonho, costumo ter pesadelos que me perseguem  por alguns dias. Infelizmente, unicórnios, arco íris e fadinhas nunca me visitaram no mundo 'encantado' da minha imaginação.

Estico o braço e tateio no escuro à procura do interruptor do abajur. Quando o acho e clico nele a luz ofuscante que irradia da lâmpada amarelada irrita meus olhos até que eu me acostume com ela. Dou pequenos goles na água sobre a mesa velha ao lado da cama e volto a deitar. Não me incomodo em apagar a luz antes de voltar a dormir.

No dia seguinte, acordo agitada e ao mesmo tempo cansada como se eu tivesse passado a noite inteira acordada. Tomo um banho rápido e gelado para ir a escola , e dou bom dia ao meu pai ao encontra-lo sentado à mesa lendo as notícias no jornal da cidade. E como de costume minha mãe não está aqui, provavelmente ainda em algum dos longos plantões no hospital Winterfolks como uma das poucas enfermeiras que atendem durante o turno da madrugada.

— Bom dia querida! E aí, animada para o último dia de aula do ensino médio?— fala meu pai.

          — Acho que aliviada seria o termo mais adequado. Ainda bem que essa tortura acabou.— retruco ao abrir a geladeira.

— Ah querida, você não perde por esperar pela vida da faculdade, infelizmente não vai ser muito melhor que o ensino médio — ele dá um gole no café — quer dizer, sei que os acadêmicos adoram fazer festas e participar das irmandades , mas fora isso garanto a você que vai contar os dias esperando o dia da formatura chegar.

—Nossa, isso foi realmente reconfortante, pai. Obrigada pela dose de sinceridade em plenas 7h horas da manhã. Acho que até me sinto mais disposta agora.

  Sento à mesa e despejo o suco de caixinha açucarado sabor pêssego  no copo. Observo o homem sentado a minha frente e vejo que ele está lendo um artigo sobre classificados.

      Meu pai é um corretor de seguro na casa dos 50 anos, foi um homem bonito e robusto durante a juventude mas hoje, com a queda de cabelo e o avanço da idade, ele exibe uma careca simpática e rugas ao redor dos olhos e na testa. A ideia de morar na pequena cidade de Torneland foi de uma proposta que ele recebeu de um velho colega da infância, depois de apostar quase todas as nossas economias em um restaurante libanês. Acabou que o negócio não deu certo e quase fomos à beira da falência. Após meses sofrendo com o pouco que mamãe recebia no emprego de enfermeira, finalmente uma vaga no ramo de vendas de seguro surgiu a nossa porta. Desde então nós mudamos às pressas para a cidadezinha no interior de Austenfield e começamos uma nova vida tranquila e pacata.

INCAENDIUM: Entre MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora