Verdades Incompletas

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ANASTÁSIA STEELE

 

—Já foi o último. —Christian diz cobrindo Daniel que está deitado no sofá ao lado de Eliza.

Desde que nós chegamos Christian ficou brincando com meus sobrinhos, e claro, Daniel o adorou. Ele não parava de chamar o 'tio Christian' para brincar ou mostrar alguma coisa. E acho que ele também gostou de brincar com as crianças. Meus sobrinhos ainda sentem pela morte dos pais, e eu tento suprir a falta pela Emília. Eu sei que nunca vou ser mãe deles, e sequer tomar o lugar da minha irmã, mas eu me esforço para dar o melhor a eles, e por mais que isso seja o suficiente para mim, nunca será para eles. Os dois precisam de pais. Pais de verdade. Pessoas que os amem.

Christian senta ao meu lado despertando-me de meus devaneios.

—Eles adoraram você. —Sussurro olhando meus sobrinhos.

—E eu os adorei. Eles são crianças incríveis. —Christian diz sorrindo e eu sorrio. —Acho que você me deve explicações agora.

—Eu sei... —Sussurro encolhendo os ombros. —Posso colocá-los na cama ao menos?

—Não. Nada disso. Você quer fugir. Eu te conheço.

—Conhece? —Digo surpresa e ele ri.

—Um pouco. Mas já percebi que você se faz de durona para não demonstrar seus sentimentos. Daria sua vida para proteger seus sobrinhos. E... Esconde alguma coisa de mim.

—Acho que isso é tudo então. —Digo rindo.

—Me conte... Por favor.

—Tudo bem... —Sussurro. —Mas me prometa algo?

—O que?

—Você não irá me olhar com pena, e muito menos me abraçar. Assim que eu terminar eu vou ir deitar e você vai deixar as coisas como estão.

—É tão ruim assim?

—Sim... —Suspiro pesadamente e seguro a mão de Christian começando a brincar com suas unhas e dedos. —Eu tinha... Cinco anos... Meu pai e a Carla já estavam brigando muito... Mas ela era boa comigo. Na verdade incrível. Então um dia... —Sorrio amargamente com a lembrança. —Eu cheguei da escola e ele não estava lá... A minha mãe disse que ele havia ido embora, porque ela iria se separar dele. A Emília, minha irmã disse que eles brigaram muito antes dele ir, então a mamãe pediu o divórcio para ele.

—E depois? —Christian pergunta olhando para as nossas mãos juntas.

—Alguns meses se passaram e... A Carla conheceu o Bob, e ela começou a cair por causa dele, eu estava com cinco anos, e ela já não cuidava mais de mim. A Emília nunca gostou do Bob, e ela pediu que meu pai nos levasse para morar com ele, e ele fez isso. Mas ele ainda amava a nossa mãe, e... Eu ainda posso ver a cena. —Digo com o rosto já coberto pelas lágrimas. —Eu tinha ido ao parque com a minha irmã e o namorado dela, quando nós voltamos. Ele estava ajoelhado no meio da sala, com o papel do divórcio em uma mão, ele estava com uma arma na outra mão... E... Eu implorei tanto... Tanto. Eu pedi que ele não fizesse aquilo, mas... Ele disparou contra a própria cabeça. Na minha frente. Eu tinha cinco anos e vi meu pai se matar. Vi seu corpo cair na minha frente e ficar ali até gelar.

—Ana... —Christian diz desesperado a me ver chorar.

—Espera. Você queria saber. —Digo soltando suas mãos e ele fica em silêncio abaixando o olhar. —Minha irmã e eu tivemos que voltar a morar com ela e o namorado nojento. Eu tinha sete anos. Sete anos quando ele me molestou pela primeira vez. Ele ficou se masturbando na minha frente, depois ficou me tocando e sentia prazer naquilo. E ela... Ela não me defendeu. Nunca. E quando eu tentei contar, ela me bateu, e disse que eu jamais deveria repetir aquilo. Eu contei para a Emília, e ela me defendeu, ela e o David. Eles cuidaram de mim, mas não podiam me tirar dela, porque ninguém tinha provas do que ele fazia. Quando eu tinha doze anos, o Daniel nasceu, e com quinze a Eliza nasceu. Nós tínhamos ido para o lago... Estava chovendo quando voltávamos para casa. Eu escorreguei, e minha irmã pulou no lago com meu cunhado para me salvar. Eles me tiraram de lá, mas não saíram. Eles morreram para me salvar. Você entende o que é isso? E sabe o que eu descobri depois? Que a Carla não era minha mãe, por isso ela sempre me odiou. O meu pai a traiu e a sua amante morreu, então ele teve que cuidar de mim, e ele me levou para morar com eles. Eles brigavam por minha causa. E ela o deixou por causa disso. Ele se matou por causa disso. E minha irmã. Ela também morreu por minha causa. Todos que eu amava se foram. Por isso eu não confio em ninguém. Por isso eu tenho que ser forte. Porque todas as vezes que eu me permito ser fraca, a lembrança deles morrendo na minha frente voltam. E eu tenho que lidar com tudo sabendo que foi minha culpa.

Levanto o rosto tentando conter as lágrimas enquanto Christian me olha horrorizado e com raiva.

—Ela me batia. Todos os dias. E quando eu ameacei ir. Ela disse que o Daniel e a Eliza ficariam, porque ela era a avó deles, e eu era só o caso de uma traição. E ela tinha razão. Eu nem sequer poderia levá-los comigo. Então eu tive que fazer um maldito trato com ela. Ficar calada e cuidar deles. Mas ela nem o namorado nojento poderiam encostar um dedo neles. Se eles fizessem isso... Eu contaria tudo. —Sorrio com escárnio. —Eu aguentei tudo isso por eles. Porque os pais deles morreram por minha causa. E agora eles precisam de mim. Mas sabe como foi ruim? Sabe quantas vezes aquele monstro me agarrou e tentou me estuprar? Sabe quantas vezes eu tive que ver ele me olhando com desejo? E sabe quem me defendia? Ninguém... Eu aprendi a me defender Christian, e eu não preciso que mais ninguém faça isso por mim. Agora se você já teve sua história, eu vou colocar meus irmãos para dormir.

—Anastásia... —Christian sussurra segurando minha mão.

—Nós fizemos um trato. —Digo puxando minha mão.

—Desculpe, mas eu não prometi nada.

Christian se levanta rapidamente e me puxa para seus braços, tento protestar, mas seus lábios pairam sobre os meus e começam a mover-se de forma necessitada. Começo a retribuir seu beijo na mesma intensidade sentindo a dor do passado sair em forma de lágrimas. As palavras não ditas agora escorrem pelos meus olhos fazendo isso ser muito mais doloroso e ao mesmo tempo aliviante. Talvez porque seja ele a me abraçar.

Continuo chorando e ele não me solta, apenas me aperta mais forte a cada soluço.

Eu não consigo entender como algumas pessoas querem nos proteger enquanto outras apenas querem nos destruir.

Solto-me de seus braços e encaro-o.

—Obrigada. —Sussurro. —Por nunca ouvir o que eu falo.

—Ah, me desculpe. Eu não poderia não te abraçar.

—Por pena?

—Não. Por saber que você é tão forte. Mesmo depois de tudo. Você passou por coisas ruins, e é forte, muito.

—Você não está bravo?

—Com você não. Pelo contrário. Eu estou muito orgulho de você. Por tudo que você aguentou. E ainda mais por defender seus sobrinhos. Isso foi incrível. Você é uma mulher forte.

—Obrigada... —Sussurro encolhendo os ombros. —Agora você entende porque eu preciso do dinheiro? Eu preciso salvá-los disso tudo.

—Nós ainda temos um contrato.

—Eu sei.

—Você quer continuar com ele?

—Eu não quero, mas eu preciso. —Saio de seus braços e caminho até meus sobrinhos. —Eles precisam de uma vida melhor, e não importa o que seja eu vou dar por eles. Eu já estraguei tudo. Eu tirei os pais deles...

—Não foi sua culpa.

—Foi sim. Tudo que aconteceu foi.

—Ana. Você não deveria se culpar tanto. —Christian sussurra. Ele se aproxima e senta ao meu lado. —E sua mãe biológica?

—Eu só sei o que a Carla me disse. Que ela morreu. Não sei nem o nome dela.

—Entendo. —Christian sussurra. —O que você quer fazer agora?

—Bom senhor Grey. Eu preciso de uma caneta.

—Caneta? —Christian sussurra confuso.

—Sim. Eu tenho um contrato para assinar. Certo?

Então, Deixe-me Amar-teOnde histórias criam vida. Descubra agora