Capítulo 1 - Mentira

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Em todos esses nove anos, após o exame de gênero, sempre achei que era uma pessoa normal, sempre achei que meu gênero não importaria para as pessoas se eu suprimisse meu cio com as pílulas as tomando todos os dias. Sim, eu escondia meu gênero com unhas e dentes, pois qual é o propósito de sair por ai falando seu gênero se nem são pessoas próximas de você? O sensato é só seus pais e você saber, certo? Não há motivos para terceiros, certo? Então por que nesse meu ultimo ano escolar as pessoas estão enchendo tanto o meu saco para saber meu gênero? O que elas ganham com isso? Apenas meu ódio gratuito. Isso é um saco. Me pergunto o por que de Deus nos fazer assim... Muitas pessoas sofrem com seus gêneros e isso chega a ser doloroso, pois a maioria que sofre são os Ômegas, quer dizer, nós Ômegas. Os Alfas só nos vem como uma máquina de sexo ambulante. Apesar de não estarmos mais no século passado, ainda é possível ver Alfas arcaicos por todo o mundo falando que seu gênero é o superior. É tão estúpido que chega a ser engraçado como uma sociedade pode ficar em baixo dos pés de alfas nojentos como esses? E por essa sociedade ser tão arcaica e opressora, muitos Ômegas acabam se suicidando para não permanecer em um mundo onde terceiros o rebaixam e os vêem com olhos de descarte sexual.

O corredor principal da escola estava lotado, pois a listagem das turmas estava em um grande painel onde o alvoroço estava. Garotas soltavam gritinhos entre si ao verem que ficariam na mesma sala, os garotos apenas encostavam os as mãos em forma de soco e riam em comemoração. Eu já estava de saco cheio daquilo, eu ainda não sou tão alto pra ver por cima das pessoas, seria muito mais fácil se os babacas não ficassem na porra da minha frente e simplesmente saíssem.

Por que eu tive que ter um nome que começa com Y? Eu sempre fico no final da listagem e acabo sempre sofrendo com essa merda.

- Ei grandão. Me deixe ver a listagem, ainda não sou alto o suficiente pra olhar por cima, sabia?

O cara a minha frente nem sequer se virou para me olhar ou sair da frente. A minha vontade é bater a cabeça desse cara na parede até que a massa cefálica dele saia escorregando pelas suas costas. Por que as pessoas adoram me ignorar? Eu só quero ver a maldita listagem!

Olho a hora no celular e vejo que estou levemente atrasado. As pessoas que estavam fazendo alvoroço em frente ao painel vão saindo aos poucos e com isso eu consegui enfim chegar à frente para poder ver minha classe. Procuro desde o inicio do painel até o outro lado, quase no fim encontro meu nome"Yuri Plisetsky, sala 3B corredor D". Legal, tô na sala do outro lado da escola... Por que deus? O que foi que eu fiz na minha vida passada pra merecer isso?

Ajeito minha mochila em meus ombros e começo a andar o mais rápido possível para não chegar atrasado, desviando de pessoas com lentidão nos pés e quase correndo no corredor da quadra. Vejo o cara grandão que eu havia pedido para me deixar ver meu nome no painel, ele estava conversando com um grupo de garotos risonhos, uns cinco garotos. Babaca.

Chego ao corredor D em menos de 2 minutos e vejo que não estou tão atrasado assim. Corri para nada.


O corredor D estava lotado de pessoas o transitando ou encostados nas grandes janelas observando a grande quadra de educação física. Aquilo nunca me chamou atenção, na verdade nada aqui me chama atenção, eu só quero terminar a escola e abrir uma cafeteria. Só falta um único ano, o que pode acontecer em um ano?

Entro na sala 3B e vejo que a maioria dos lugares já estavam ocupados, mas havia um perto da janela no final da sala, vou até lá e me sento olhando algumas mensagens no meu celular, coloco minha mochila em cima da mesa e ajeito meu capuz na cabeça. Algumas mensagens do meu avô falando para eu ter um ótimo primeiro dia de aula e outras de alguns amigos que eu conheço da internet. Vejo que o cara grandão e os garotos entraram na sala, acho que vou ter que conviver com o cara que me ignorou na cara de pau. Antes de um deles fecharem a porta outro garoto aparece no meio da porta assustando o que estava fechando e o que assustou começa a rir muito até ele olhar para o final da sala procurando alguma pessoa, mas a única coisa que encontra sou eu o olhando. Ele para de rir e me encara e depois solta um pequeno riso. Sinto meu rosto corar, por que estou corando? Volto a olhar para meu celular e começo a ver fotos no instagram, até me deparar com uma foto dizendo que um cantor Alfa revelou estar noivo de um Ômega do sexo masculino, na legenda da foto falava que o tal cantor era de uma família cheia de Alfas e que com esse matrimônio a geração dos Alfas dessa família iria cair, a explicação do tal cantor era que o Ômega era seu parceiro destinado e que eles já estavam em um vínculo. Isso me irritou. Como um ômega pode confiar em um Alfa? Eles só nos querem para se satisfazer, eu sinceramente não acredito em parceiro destinado.

Eu sou um garoto de 19 anos e Ômega. Minha mãe é uma beta e meu pai também. Meu avô, com quem eu moro, é um Beta. Minha mãe e meu pai trabalham muito para me dar uma boa educação e de vez em quando eles se desculpam por terem me feito um Ômega. Como meus pais trabalham viajando, pois ambos são advogados de grandes empresas, sempre precisam resolver os problemas no exterior. Eles meio que são um time, então vivo com meu avô, que é muito preocupado comigo por eu ser cabeça quente e por eu ser Ômega.

Bloqueio meu celular e olho para frente vendo que o garoto que me olhou estava sentado uma cadeira a frente do meu lado, atrás dele o cara grandão. Esse cara não precisa falar nada para ser irritante. Só o fato de ele olhar cinicamente para os lados já me irrita.

O professor entrou na sala e logo começou a falar sua introdução de boas vindas e que esperava que a nossa sala o recebesse bem, estava tudo bem até o momento em que ele disse: - Eu preciso que vocês falem qual é seu gênero, pois temos que saber quantos ômegas há na sala para que o carregamento das pílulas e medicina especifica vão ser necessárias para cada aluno ao longo desse ano, então por favor cooperem.

Ok, é só ir à mesa dele e falar, não é uma coisa impossível, mesmo eu não gostando de falar do meu gênero, isso é necessário.

- Por favor, quando eu chamar seu nome diga seu gênero – o professor falava – Jean Jacques Leroy?

O cara ao meu lado sorri debochadamente e fala: - Alfa.

Ok, é em voz alta, não é como se não tivesse nenhum Ômega além de mim. O professor chamou nome por nome e até agora temos exatos 20 Betas e 5 Alfas e nenhum Ômega. O professor chama mais alguns alunos e chega ao nome do garoto em frente a Jean: - Otabek Altin?

Ele olha para os alunos e vê o garoto moreno de cabelos cortados nas laterais e grande na frente. O garoto que estava de cabeça baixa olha para o professor e fala: - Alfa.

Ele olha para trás para ver o amigo, mas acaba me vendo o encarando. Por que eu estou o encarando? Sinto meu rosto quente de novo e volto a olhar para frente, mas sei que o tal Otabek continua me olhando. Eu deveria ser mais discreto. Depois de nomes e nomes e nenhum Ômega - isso já estava me preocupando - ouço meu nome ser chamado.

- Yuri Plisetsky?

Por eu ser um dos quase últimos nomes de 40 alunos onde 6 são Alfas e 33 são Beta, sendo que eu sou o único ômega da sala, todos os olhos estavam em mim e o mais intenso era o do tal Otabek. Ele me olhava com uma intensidade que chegava a ser assustadora. Eu não queria falar que sou Ômega em voz alta, eu não queria que aqueles Alfas soubessem de mim, pois sei que vão me olhar diferente, com dó ou como apenas um objeto. E sem que eu percebesse falo: - Beta...

Por que eu fiz isso? Por medo de Alfas? Que tipo de pessoa eu sou? Eu preciso dos remédios! Como eu vou consegui-los agora? Olhei para frente vi que Otabek ainda me olhava, mas agora mais intenso, era como se ele soubesse que eu estou mentido, era como se ele me conhecesse.



Depois que a aula acabou e chegou o primeiro intervalo, a primeira coisa que eu fiz foi ir direto para a enfermaria, eu precisava reverter essa situação inútil que eu me coloquei por medo de estúpidos Alfas. Tive que ir para o outro lado da escola novamente para poder chegar enfim a enfermaria e encontrar um homem de jaleco e óculos redondo fino sentado sossegado em sua cadeira giratória.

- Ah... Licença – falei batendo na porta, assustando de leve o moço.

- Sem problemas querido, o que houve, se sente mal? - ele perguntava me mandando sentar na cama a sua frente. A enfermaria não era muito grande, mas havia umas duas camas em cada lado das paredes e um enorme armário com medicamentos perto de uma janela que arejava bem a sala.

- Na verdade – comecei a falar – eu fiz uma burrada muito grande hoje.

- Você brigou com alguém? – ele agora me perguntava de braços cruzados.

- Não... É que na primeira aula, um dos professores falou que era para nós falarmos do nosso gênero para saber quantos Ômegas haviam na sala para que tivesse o carregamento certo de medicamentos, só que eu menti – passei as mãos pelos meus cabelos que já estavam na altura do meu ombro, eles estavam completamente bagunçados por conta da minha correria.

- Você mentiu seu gênero por quê? – o médico perguntava.

- Por que de 40 alunos naquela sala 6 são Alfas e o 33 são Beta... Eu sou o único Ômega ali, e eles iriam me olhar estranho, apesar de estarmos em um século que não deveria ter esse tipo de pensamento arcaico, eu como Ômega sou visto de forma piedosa ou sexual. Não queria ver as pessoas me olhando assim e acabei falando que eu era um Beta, mas eu realmente preciso desses remédios.

O médico me olha com compaixão, ele se aproximou de mim e disse: - Sei como se sente, também sou um Ômega.

Ele ajeitou meus cabelos e limpou meu rosto, pois eu estava suado da corrida que eu havia feito e anotou meu nome em uma lista e minha sala e depois me deu um pote de pílulas para meu cio estral. Eu o agradeci e fiquei mais um tempo na enfermaria para me acalmar antes do intervalo do primeiro horário acabar.

- Já estou melhor, obrigado – falei me levantando e quando estava saindo o médico de óculos redondos finos me chamou.

- Não minta sobre seu gênero, sei que é difícil e complicado, mas não minta, pois até mesmo pode acreditar na própria mentira. - ele dizia sentando-se novamente na cadeira – Boa aula.

- Obrigado Doutor.

- Disponha, mas me chame de Chris, pode ser?

- Pode.

- Obrigado - Ele disse.

Quando eu estava saindo da enfermaria dou de frente com alguém maior que eu um pouco.

- Então quer dizer que você é um Ômega e não um Beta?- Uma voz grave emana em cima de mim. Distancio-me e vejo que era o tal Otabek. Ele me olha intensamente e isso faz meu rosto corar, mas por que eu coro toda vez que ele me olha?

- E no que isso te importa? – perguntei guardando o pote de pílulas no bolso da minha jaqueta.

- Em nada na verdade. Só que eu fiquei surpreso de você falar que era um Beta, mesmo eu sabendo que na verdade você era um Ômega. – ele falava encostando-se na parede a minha frente com os braços cruzados.

- E como você sabia? – perguntei andando e ele fez o mesmo.

- Por que eu senti. Você é diferente e eu senti isso quando te olhei quando cheguei na sala de aula e na hora que você falou que era beta eu fiquei doido, por que eu tinha a plena razão de que você era um Ômega.

- O que você tá insinuando? – perguntei parando de andar.

- Eu não sei, eu só sinto que eu te entendo mais que tudo... Você não sente isso? – ele perguntou.

- Cara, eu nem te conheço! – falei o olhando de frente. Ele tinha olhos escuros, sua pele era morena e seu cabelo cortado baixo nas laterais e grande em cima o davam um ar bonito. Eu sentia alguma coisa vindo dele, mas não era o que ele sentia por mim, ou era?

- Sem chance de ser parceiro destinado, eu não acredito nessas coisas. – falei me afastando e ele começou a andar também.

- Eu também não, mas isso é estranho. Eu tô me sentindo estranho. – falou

- Não, sem chance - falei olhando para ele e acho que foi a coisa mais estupida que eu fiz, pois meu coração começou a bater como um louco. Coloquei a mão no peito e olhei novamente para Otabek que também estava parado no corredor e estava agora corado. Senti um molhado descendo por minha bunda e olhei para Otabek que estava com a mão no rosto.

- Não isso não é destino, NÃO É DESTINO!

Sai correndo pelo corredor e vejo que tem um banheiro próximo e sem pensar duas vezes entro nele e me tranco em uma cabine. Desabotoou minha calça e vejo o quão molhado estou.

- MERDA! – Xingo. Isso não devia ta acontecendo, não comigo, e não com um alfa!




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