"Você conseguiu o emprego. Ele disse que pode fazer o teste no ano que vem". A mensagem do garoto do qual eu estranhamente nem perguntara o nome, foi uma das primeiras coisas das quais vi pela manhã, após acordar e abrir a janela com a intensão de que o ar quase puro que vinha do quintal eliminasse o cheiro de pus e sangue em minhas narinas. Havia se passado uma semana depois de nosso encontro, do qual o meu orgulho me impedira de lhe mandar qualquer mensagem.
Era novamente mais um dia comum do qual o enjoo me obrigou lá por volta das nove horas da manhã novamente a vomitar uma grande quantidade de sangue sobre o vaso sanitário. Às vezes eu chegava a me chatear com o fato de não acreditar em Deus. Caso eu acreditasse em sua existência eu teria algo consciente do qual poderia descarregar todas minhas frustrações existenciais. Algo do qual eu no fundo saberia que estaria me ouvindo e que se entristeceria com todas minhas ofensas. Eu odiava o seu conceito. Uma indiferença que reina o universo. Mas sei que essa indiferença é o próprio universo inconsciente do qual eu nada posso fazer para alterar. Masturbar-me em cima de seu suposto livro sagrado, limpar a minha boca ensanguentada com suas folhas; de nada adiantava.
Por volta das dez horas sento-me a mesa da qual meu pai distribuíra sobre ela um delicioso café da manhã, com pães, queijo, requeijão, torrada, suco natural e algumas outras coisas da compra que fizera no dia anterior. Pela primeira vez em anos, perguntou sobre minha vida. Perguntou como fora o passeio e eu desacostumado com aquela situação apenas respondi que havia sido "legal".
Meu celular que estava no bolso de minha calça vibrou e ao tira-lo dali e desbloquear a sua tela, a primeira coisa da qual vi foi a mensagem que o Lucas me enviara: "Pode encontrar-se comigo sábado no final da tarde?". O respondi com um minimalista e inexpressivo "Ok" apesar de estranhar, já que ele não me fizera nenhum convite especifico dando a entender que o local não importava, o que me restava a acreditar que aquele encontro seria proveniente de algo do qual ele precisava me dizer.
Assim que terminei de tomar meu café da manhã, coloquei em minha boca uma capsula do antidepressivo do qual o psiquiatra havia me receitado a uns dois dias atrás. O remédio acabou tirando-me nos dias anteriores todo o meu sono, inclusive o dominador diurno do qual insistia em atrapalhar ainda mais minha vida, e também retirou-me todo o até então incomodo e insaciável libido. Era o preço do qual eu aparentemente tinha que pagar para que aquilo quimicamente me ajudasse a alancar a minha aceitação diante a inevitável morte.
As onze horas da manhã, estava eu no banheiro debruçado sobre a pia gélida. Uma linha horizontal fora feita minutos antes e ainda assim apesar da profundidade nenhum sangue saíra de minhas veias para dar o ar da graça como ocorre naturalmente. Cansado daquela desgastante porem sentimentalmente confortadora posição levanto-me na intenção de sair daquele cômodo, quando ao virar meu braço sinto minha pele superficialmente grudar sobre a pia. Lentamente puxo meu membro com um olhar de estranheza e percebo de que de onde eu fizera o corte saíra uma linha grossa feita de sangue aparente coagulado. A grossa porem curta linha que saiu de meu braço junto com alguns caroços se rompeu e ficou grudada sobre a pia e logo após do corte começou a sair apenas uma água fina e amarela. Apesar de parecer quase impossível, naquele momento algo desviou minha atenção para si... Ouvi um sussurro vindo do meu lado direito e ao olhar, vi um ser submergindo de uma poça de sangue que se formara no box do meu banheiro. Ele estava com seu tronco inteiro para fora da poça, revelando sua figura sem face, esverdeada com enormes chifres que curvavam-se em direção as suas costas. O susto do qual eu tomara me fez jogar-me em direção a porta de madeira e bater meu corpo fortemente contra ela, principalmente na região da cabeça, fazendo com que eu acabasse desmaiando por alguns instantes. Acordei em um pântano cuja mistura barrosa era de um vermelho vivo como o sangue. Em minha frente estava o ser. Agora em pé, revelando toda sua espantosa altura. O céu daquele local, era como o nosso, mas refletia uma luz vermelha que acabava visualmente tingindo as nuvens brancas e sobre elas pairavam enormes criaturas aladas que assemelhavam-se a tartarugas sem casco, com asas e uma calda com uma extremamente longa e colorida penugem , emitiam um som semelhante ao de baleias azuis... Fiquei tão abismado com toda aquela loucura que mal pude perceber a súbita aproximação da criatura que como se sua voz assexual penetrasse dentro de minha pediu ou ordenou, já que eu não possuía consciência sobre suas intenções:
– Mate-o! Mate-o! Matar ou o instinto matar você!
Balancei a cabeça de um lado para o outro afim de eliminar aquelas imagens da minha cabeça e por incrível que pareça funcionara. Sentado ainda ao chão como se tudo aquilo fosse uma grande alucinação liguei imediatamente para Lucas apavorado.
– Lucas! – disse assim que ele atendeu: – Me responde com sinceridade... Você anda sentindo alguns efeitos daquela droga que a gente usou? Aquela que era muito cara.
– Não. Você anda? Acho que o efeito não duraria tanto tempo assim.
– Não sei... Acho que ando meio paranoico só. Parece que não me reconheço mais quando olho no espelho. Vejo semelhanças minhas com pessoas que não são eu... Agora mesmo tive a impressão de que saiu sangue coagulado com pus do meu corte, mas eu já estaria morto se fosse tão grave não? E vi um bicho saindo do box do meu banheiro! Acho que vou ao médico.
– Acho que um médico só o faria ficar pior caso fosse um doença grave – respondeu Lucas: – Se for algo grave, você não saberá quando ira morrer e poderá viver se conformando até lá. Se não for grave e for passageiro, passará, e não for grave porem se transformará em grave caso não haja um cuidado essa hipótese só consome um terço do lado positivo da coisa. O que a torna mais improvável.
Depois de uma considerável pausa, ele estranhamente me aconselhou:
– Afaste-se daquele garoto... Ele é mais esperto que você... Se ele compreender primeiro o efeito da droga, você estará fodido!
Decidi descer até a praia, lá por volta das seis horas da tarde. O céu estava em sua aparência crepuscular. O Sol poente do fim da tarde, tornava o céu um gradiente do vivo do dia e da escuridão da noite, junto de uma cor alaranjada... Era quase uma linda se não poética metáfora sobre o trágico fim de minha vida... Era tarde... Tarde demais para qualquer coisa. E qualquer coisa era tardia demais para mim... Qualquer um era TARDIO demais para mim...
Meus pés tocavam e se acomodavam lentamente sobre areia a cada andar. Eu estava tentando fazer com que minha consciência absorvesse o sublime daquela paisagem e por tanto me tirasse da vontade e da consciência, mas isso só ocorreu quando eu ouvi sua voz me chamar... Virei para trás e pude vê-lo correndo em minha direção, nu da cintura para cima, revelando suas tatuagens das quais eram indecifráveis da distância da qual antes encontrava-se. Se cabelo agora platinado inexplicavelmente o deixara ainda mais imponente.
– Como você está? – perguntou ele.
– Bem e você?
– Bem... Não sabia que você morava aqui perto.
– Nem eu.
– Isso é bom pois o seu novo patrão também mora aqui perto. Ele mora na rua do supermercado Feltrin.
Supermercado do qual ficava no quarteirão de cima de casa.
Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa relacionado a localidade ele me cortou dizendo que o nome do rapaz do qual eu trabalharia era Alfredo e que possuía uma firma de fotos artísticas. Era mais uma absurda coincidência já que Alfredo era um grande amigo de meu pai. A outra era um pouco menor, mas era quando reparei em suas tatuagens. Uma no braço era um origami de unicórnio, a no peito era uma frase de Schopenhauer e também possuía seu rosto desenhado no ombro.
Conversamos por mais alguns minutos. Sentamos na areia e vimos o pôr do Sol, depois tomamos sorvete em um quiosque e por fim nossa tarde terminou após nos dirigirmos para o MIS (museu da imagem e do som) para assistirmos Morte em Veneza e depois discutirmos sobre o filme sentados à beira da calçada do prédio.
Fora uma ótima tarde e vou fazer a revelação de que eu anormalmente estava sentindo algo por ele. Não que eu encare a homossexualidade de forma não natural; mas a questão é que sexualidade como o próprio nome já diz só pode estar relacionada a desejos sexuais, como uma opressão hormonal da existência para obrigar-nos a nos aliviar e por tanto a nos procriar; as vezes algumas pessoas nasciam com esse desejo pelo mesmo sexo. Mas isso não era algo que aconteceu comigo. Eu sempre transei e me relacionei com mulheres. Aquela admiração que eu sentia era algo além da biologia ou das opressões da vontade. Eu inexplicavelmente sentia de que ela estava relacionada com a droga da qual eu tomara.GENTE, ESSE É O LINK DE DIVULGAÇÃO DO MEU LIVRO FÍSICO. QUEM SE INTERESSAR POR FAVOR ME MANDE UM E-MAIL QUE ASSIM QUE ESTIVER COM MINHA PARTE DAS COPIAS EM MÃOS, NEGOCIAMOS A ENTRE. ACESSEM O SITE PARA INFORMAÇÃO SOBRE A SINOPSE E FICHA TÉCNICA:
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Tardio
Historia CortaUm conto metafórico sobre um garoto chamado Alberto, cujo possuía depressão profunda e nunca teve nada na vida. Sua mãe morreu quando ele ainda era pequeno. Sofria abusos morais do pai, humilhação e preconceito das pessoas de sua escola e tudo pare...