Quem bate...

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"Lola... Lola... Não adianta se esconder, a casa é pequena e eu sei que estou perto, bem perto..."

Lola conhecia aquela voz. Era ele! 

Impossível!

O cheiro daquela colônia cítrica era conhecida como a voz daquele homem. Já fora abraçada por ele no passado, hoje viera para lhe fazer mal. Como ela sabia disso? Porque o haviam enterrado a sete palmos da superfície da terra. Seu corpo havia sido esquartejado. Era o que fora noticiado.

Impossível!

Com um resquício de coragem, Lola se levantou e empunhou a faca. Morreria, mas faria um estrago nele. Já não importava-se mais consigo. Talvez fosse para algum lugar onde sua filha estivesse a sua espera. Não haveria dor e sofrimento para onde ia. 

— O que você quer, maldito!

"Acabar com um serviço que ficou pela metade. Betânia." 

— Sai da minha casa, não chega perto. Porque está fazendo isso? Porque?

"Porque cansei de aguentar aquela menina chorona em meus ouvidos, implorando para não apanhar de cinta. Maldita. Ela mereceu cada macho que a violentou, cada dedo que mandei arrancar e cada unha que descolei..."  

— Monstro! Porque se esconde? Você está morto!

"Hahaha. Morto? Não... Mas alguém está morto. Não tem ideia de como me doeu acabar com meu homem. Destruí-lo lentamente... Não vou matá-la hoje. Traga-me Betânia e devolvo sua paz."

A luz piscou e uma fase acendeu. Lola estava sozinha no meio do cômodo, segurando a faca. Não conseguia caminhar e nem pregou o olho pelo restante da noite sem luar. Pela manhã encontrou a si mesma sentada à mesa e cochilando. Palavras reverberavam nas lembranças e acabou descobrindo que Betânia havia sido torturada, mas poderia estar viva.

Deu um pequeno sorriso em meio às lágrimas abundantes de sofrimento. Mesmo que desvendasse seu paradeiro, morreria sem mencionar. Jamais permitiria que o desgraçado tocasse nela novamente. Maldito. Falso e mentiroso. 

Levantou-se exausta e só conseguiu pensar em uma pessoa que pudesse lhe ajudar. Caminhou até o telefone, cujo fio estava cortado e sussurrou o nome dele, achando que poderia aparecer num toque de mágica e a envolveria em um abraço quente, a sufocaria com seu cheiro amadeirado e a acalmaria com a voz grave e cheia de segurança.

— Motta, preciso de você... agora. 

...

Bill afia a lâmina do machado para cortar lenha e quando passa por Betânia ela se encolhe assustada. 

— Calma princesa do Bill. Se eu não fizer isso, não temos água quente. Ou prefere banho gelado?

Betânia lhe sorri. Sentada em uma cadeira de balanço feita em vime, alcança uma cesta com peças de roupa que precisam de reparos, as quais ela pediu ao Marvin para que juntasse para as consertar. Eram cuecas com algum furo, meias, camisas sem botões, pequenos cerzidos em joelhos, coisas simples que poderia fazer na mão. Ela era boa nisso, sentiu-se ocupada e até um pouco feliz em ajudar.

Quando terminou a tarefa, seu olhar foi atraído ao homem grande que cortava lenha para o fogão que tinham dentro de casa. Bill parecia exausto e Marvin com um carrinho de mão, juntava a madeira em pedaços e levava para dentro. 

A tarde estava bem calma e o tal do Serafim ainda não tinha chego. Bill saiu para comprar alguma coisa e estava todo misterioso quando foi.

Ela riu sozinha ao lembrar-se de Tino. O que seriam deles sem o exagero do barbeirinho? Ele devia estar exercendo seu ofício naquele momento... E estava. Atendia contrariado, o vereador Ervílio. O infeliz fora registrado errado, porque o escrivão era meio surdo e não entendeu que seu pai escolhera Emílio, em homenagem a própria mãe a senhorinha Emília. Sendo analfabeto só soube em casa quando a mulher furiosa leu na certidão, não poderia mais ser alterado e o homem suportou com bravura uma vida de chacotas com seu nome.

O Papai UrsoOnde histórias criam vida. Descubra agora