Um anjo no "inferno"

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Dois dias se passaram e Betânia voltou a ter febres, pesadelos e ver um rosto torturando seu marido. Ouvia seus próprios gritos, sentia a lama gelada, vento seco judiando de seu corpo desnudo. 

"Foi ele!" Betânia gritava em meio às alucinações e assustava seus irmãos. Em alguns momentos eles não conseguiam contê-la. Psicologicamente estava desestruturada, nem imaginava seu comportamento ao cair da noite, quando encostava as pálpebras. Entrava no inferno. 

Pela manhã, ficava calada e chorosa, negava-se a se alimentar, perdendo mais peso e tendo tremedeiras pela da falta de energia que os alimentos lhe proporcionariam. Seu intestino se contorcia e o estômago contraia, tudo era dor. Porque não era fácil de superar? 

"Foi ele!" Repetia vendo o rosto em sua lembrança. "Completamente louco e sádico. Maldito seja." Os cinco dedos do pé esquerdo tinha sido cortados, tudo que fizeram ao seu corpo fora para proporcionar a maior dor possível, porém foi mantida viva. "Porque?"

Tino andava assustado com a agressividade dela, mesmo notando que só fazia algo quando estava dormindo. Acordada, Betânia era doce. Não foi o que ele encontrou, na manhã que foi convidá-la para tomar um chá com torradas... Betânia respirava pesado, parecia capaz de rugir. Aos ver os rapazes, ela arremessou a xícara com chá em Marvin e ofendeu Tino, parecendo estar plena com um espírito maligno que a comandava.

— Maldito! Seu verme filho de uma puta! Apareça e me enfrente. Seu desgraçado, te odeio com a minha alma. Assassino. Matou Rafael...

— Ei criatura! Controle-se! — Tino a ameaçou. — Quem é Rafael?

— Ah Tino... me perdoa. — Betânia veio a si e caiu no choro convulsivo. Marvin tinha saído do quarto e agora pesava tanto nela. — O Marvin... O que foi que eu fiz? Estou com medo, me ajuda. 

— Calma, Marvin é duro na queda. Mas vou logo avisando que se arremessar algo em mim, te encho de bofetadas.

— Tino. Eu não quero continuar a viver.

— Todos nós passamos por isso alguma vez na vida. Eu, o Bill e o Marvin. E mais um monte de pessoas. Nós gostamos de você e não vamos te maltratar aqui. Vem que te ajudo, vamos lavar essa sujeira. Moça, vou lhe enfiar uma calça plástica e fraldas.

Mesmo não sendo algo engraçado, Betânia sorriu tímida, ainda com o rosto avermelhado e aos soluços do choro recente. Levantou com dificuldade, apoiou-se na muleta, com dificuldade banhou-se, optando por se virar sozinha. Usou o chuveiro mesmo, demorou-se e só saiu quando o vigor retornou em si.  Ao voltar ao quarto, encontrou tudo limpo, cheiro de chá de camomila, pão morno com manteiga derretendo nas fatias, um copo com água e florzinhas coloridas. Lembrou de sua infância onde usava as pétalas dessas flores como unhas postiças.

Tino entrou no quarto com expressão aborrecida e Betânia interrompeu a mordida no pão.

— Vê se a senhorita se controla. Euzinho que tive que arrumar seu quarto e preparar seu café da manhã. Menos a flor, isso é coisa do tonto do Marvin.

— Obrigado. Desculpe a mim, Tino.

— Você está sofrendo, eu já te disse que todos estivemos no inferno pelo menos uma ou várias vezes. E já que não temos segredos entre nós, vou te contar sobre o Marvin. Quem sabe isso te ajude a entender porque de aquele coitado não falar. Mas coma primeiro. Provavelmente perderá o apetite quando ouvir a história dele.

Betânia se alimentou, sentindo a explosão do sabor de manteiga fresca e a maciez deliciosa do pão de Bill. Fora que o chá de camomila estava perfeito e as pequenas flores "maria sem vergonha" coloriam de forma alegre trazendo o perdão mudo de Marvin a ela.

O Papai UrsoOnde histórias criam vida. Descubra agora