Do latim bonidate, bondade

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Inteirávamos Junho naquele meio de manhã. O sol era um presente e ainda seria por alguns meses. Sorte, diziam todos. Sorte de todos.

Em pouca conversa durante o café eu confessei saudades. Do mar, dos barcos e do inevitável sacolejar. De ser movimento provocado. Meu pai disse que poderíamos dar um pulo no porto antes da saída dos pesqueiros, quando o lugar se transformava em uma confusão de homens de caras e modos rudes. Eu disse não me importar mais. Nem com a rudeza dos homens, nem com eles próprios. Nem com as mulheres e todo o povo daquela vila.

Meu irmão Anton parou a colher entre a tigela e a boca, Halla continuou olhando-me como já estava, minha mãe ameaçou um engasgar característico dela e meu pai esboçou um dos sorrisos que dizem muito. O pequeno Jón, alheio aos adultos e suas conversas desinteressantes, continuou sob a mesa. Tentava adivinhar que cores eram aquelas em meus cadarços.

- Se é assim...

- Não concorde com ele, Óskar.

- Mãe, não comece. Se te agrada saber - que gostosa brincadeira -, eu até já conversei com o Velho Baldur.

O Velho Baldur, eu a ouvi agonizar como se fosse esse o pior dos contatos que eu poderia fazer. A senhora de gestos brandos naquele momento era a face do exagero maternal.

- Sim, o Velho Baldur. Que simpatia a dele. É coisa da idade ou ele sempre foi assim? Além disso, mandou até lembranças aos dois.

Meu pai abaixou o rosto como se fizesse reverência ao Velho e minha mãe levantou. Vestia indignação e guardava os cabelos dentro de um lenço desbotado.

- Se falou com ele... - Ela pensava na obviedade da informação. - Andri, quando você desceu à Vila? Não pode ser. Foi desacompanhado? - Em passos rápidos ela encontrou meus ombros. Cuidadosos, seus dedos analisaram minha pele. Procurava marcas de embates. - Eu não duvido na capacidade não visível desse povo de oferecer perigo. O homem é um bicho falso.

- Anna! - Da ponta da mesa meu pai alertou sobre aquela cena. Anton pretendia gargalhar, mas sabia das coronhadas verbais que levaria se isso fizesse.

- Eu fui quando vocês me deixaram sozinho e sem um pingo de café. Inspirado pela necessidade, até pensei em ir até o mercado, mas no fim venceu a vontade de passar no Café e parece que fiz um bom negócio. Ele me ofereceu algumas canecas de graça. Coisa de quem sente pena.

Finalmente ouvimos o riso de Anton. Sádico, não aguentou minha provocação e com isso provocou a própria mãe, que sentou em um silêncio nada contente, mas levemente compreensível.

- Está tudo bem. Ninguém me fez sair correndo de lá como se eu não pertencesse à península. Somos um povo pacífico, afinal. Cruzei com alguns conhecidos na rua e adivinha? Rostos virados, como eu já esperava. Sou adulto, mãe, e sei que ninguém me receberia com flores e chá quente.

- Não esperariam mesmo - concordou meu irmão.

- Um dia ou outro eu precisaria me mostrar e quer saber? Eles terão que engolir a minha presença.

- Outro dia li sobre isso.

- Sobre o quê, Anton? - Halla era curiosa quando falava o marido.

- Sobre isso que o Andri fez. É empoderamento.

Concordei em outro riso porque havia certa ingenuidade e verdade nas palavras do meu irmão. Minha mãe ignorou o que ele dizia e meu pai apressou-se em pegar a bolsa que carregava em dias de pescaria.

- Vai ficar tudo bem - eu prometi enquanto engolia uma fatia do pão ainda em processo de partilha. - Se não ficar, o Anton desce lá para vingar os machucados do irmão, coisa que ele nunca fez em outros tempos, não é?

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