SALVEM AS BALEIAS

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O destino dos outros, será sempre o destino dos outros. Nunca o seu. Nunca sob o seu poder. Demanda ou ocupação sua.

Eu só entendi isso depois de muito tempo sentado naquela mesa compartilhada por alguns amigos. Gente de outros tempos.

Dias depois da minha visita ao Einar, durante a passagem de uma amiga em comum sua mãe deixou escapar algumas palavras sobre o meu regresso. Curiosa e confessando saudade, ligou depois de conseguir o número com Anton, o meu irmão.

Dizia que já tinha passado muito tempo e eu alertei que "sete anos não é tanto tempo assim". Entre risos e algumas lembranças compartilhadas, a curiosa disse que poderia organizar um pequeno encontro na capital, onde passou a morar depois de deixar a vila. Passei bastante tempo inclinado a recusar tal convite, mas foram tantos os minutos de insistência que acabei sendo vencido pelo cansaço e um pouco de saudade, admito.

Naquele dia o coração palpitou mais forte e ansioso. Sob o vento frio do final da tarde, eu suei. Minha mãe mostrou-se outra vez contrária à minha saída, o que era compreensível, mas ela também admitia que não era bom para mim temer os outros e principalmente aqueles que sempre foram meus amigos.

- Você já está velho para lutar por aceitação. Se eles não forem mais os mesmos, volte. - Dizia enquanto fazia questão de pentear os meus cabelos após o banho. Eu sentado ao chão e ela na cama, como sempre. - E volte consciente do seu lugar, da sua importância e do que representa para a família.

- Que bonito - eu brinquei.

- Deixe dessa ousadia - ela bateu em meu ombro. - E não ouse beber.

Como resposta eu ergui as chaves do jipe de Anton.

- Hoje a madrugada será escura. Volte antes dela.

Meu plano era chegar depois de todos, porque assim não correria o risco de esperar sozinho numa mesa e facilitar que outros me reconhecessem no ambiente. E tudo saiu como planejado. Alguns já bebiam quando eu cheguei de fininho e ocupei o lugar reservado para mim. Ganhei alguns abraços e olhares surpresos. Já me empurraram um drinque, que educadamente foi recusado e recebido por outro na mesa. O mais beberrão dos presentes.

É comum que nas vilas islandesas todos os mais jovens sejam amigos. Normalmente não há muita guerra entre os poucos grupos como há em lugares de numerosa população. Mas em Stykkishólmur eu tive poucos amigos. Não tinha muitos adolescentes ali e propositalmente eu fora o escolhido como alvo de todas as provocações que guardavam. Nas saídas das aulas era o meu cabelo que eles bagunçavam, ou era do meu rosto que eles se aproximavam para me farejar e rir do meu "cheiro de menina". Eram minhas roupas que eles puxavam, e era Lilja quem me defendia na maioria das vezes. A violência nunca chegou a ser física, pois estava restrita ao emocional e eles sabiam que isso era suficientemente importuno.

Por isso fiquei em completo silêncio quando Halldór, um dos algozes, chegou inesperadamente e beijou a nuca da minha amiga que compartilhava comigo uma conversa. Ela se mostrou constrangida por não ter antecipado tal informação e eu tratei de fingir o mais simpático dos sorrisos. Passado é passado, eu menti em um cochicho.

Ele, o cretino, fez questão de escancarar minha mentira bagunçando meu cabelo como fazia naqueles outros tempos.

- É para não perder o costume, princesa. - Defendeu-se risonho quando Lilja tapeou sua mão.

Mas para a minha surpresa aquela fora a única provocação - que nem era de fato uma - que ele se mostrou disposto a fazer. Com o amadurecimento, um pedido de desculpas meio torto, meio camuflado e ainda risonho. Eu aceitei as desculpas por detrás de um gole do suco que tomava. Lilja, amorosa, segurou meus dedos por baixo da mesa. Mesmo que os destinos mudem, algumas pessoas serão sempre as mesmas.

AZULOnde histórias criam vida. Descubra agora