Parecia real o que fazia e eu forçava veracidade no desenrolar da cena: James debruçado sobre a mesa velha de Ásmundur em chamas. Contorcia-se para manter os meus dedos entre os seus lábios trêmulos e o meu corpo na tentativa de invadir o seu corpo. Mordia o que tinha na boca. Chupava e mordia euforicamente. Os dentes faltosos, a língua muito áspera, a saliva muito grossa. Sugava literalmente. Enfiava-me em seu corpo por onde podia e cabia. Fazia isso enquanto grunhia, não por prazer, mas agonia. Movia o quadril e mantinha-me dentro de si, entre suas firmes nádegas. A pele das costas exibia as marcas da pele de Ásmundur. Cicatrizes de cortes, queimaduras, perfurações recentes, sinais antigos. Brotava do homem que era bondade, o louco. Era isso: a loucura e a bondade em um só corpo.
Compreendia que não poderia confiar na projeção criada pelo meu subconsciente, mas entendia também a vontade de aproveitar o que era meu naquele instante. Um homem preso dentro do outro. Um Ásmundur que gemia e um James que agoniava. Por carregarem os mesmos olhos azuis, era difícil saber de quem era aquele olhar. Sentia o peso do morto, mas também o brilho do vivo. Melhor seria se não fosse de nenhum deles.
Os movimentos do quadril arrancaram o que era protegido por tanta profundidade e tão real fora aquele gozo que imagino-me gemendo ao vazio do meu quarto. Sei disso porque despertei para a realidade no meio de um gemido que ficou travado, engasgado. Fez-me tossir. Mas não foi ele ou o gozo irreal que levou meu corpo ao plano indiscutível, mas o barulho que produzia aquele que acabava de chegar e mostrava algum esforço em ser ouvido.
Tentava controlar o emaranhado de cabelos quando a porta do meu quarto foi escancarada com violência. Se não fosse o frio, certamente meu Senhor encontraria o meu corpo desnudo, pois sequer teria dado tempo para vestir alguma coisa depois que a sua voz, ou o seu grito, ecoou pela casa escura por consequência da noite estendida.
Você não pretende parar nunca?, ele gritou de punhos fechados. Piscava nervosamente. Eu temia por nós dois. Não carregava um corpo grande como os outros homens daquelas terras, mas tinha alguma força no corpo que era maior que o meu.
- Melhor entenderei quando disser o que tenho a ver com a sua gritaria. - Eu procurava algo que pudesse terminar de cobrir o meu corpo. Por segundos dei as costas ao homem que era meu pai e foi isso que o motivou a ser mais violento, como já esperava que fosse.
Senti a palma de suas duas mãos em minhas costas e a força empregada nelas. O resultado desse impacto foi meu corpo caindo sobre a cômoda. A raiva que guardava não o pararia nisso, por isso agarrou meus cabelos e virou meu corpo com robustez. Queria isso: os meus olhos nos seus. Dizia sempre: um homem somente olha nos olhos de outro. Para isso precisava inclinar um pouco minha cabeça. Uma mão em meu pescoço, a outra em meu queixo. Era assim que nos imobilizava quando queria que entendêssemos algo da altura do seu lugar de homem da casa. Era assim que trazia Anton, quando pequeno, de volta para a cozinha quando esse fugia dos seus impulsos violentos que ameaçavam açoitá-lo por pequenos erros. Gritava em nosso rosto numa clara intenção de nos fazer engolir o que dizia. Cuspia de tão bravo.
Não cuspiu quando bradou, mas seu hálito ébrio chegou a mim invadindo o pequeno espaço que restou ao meu respirar.
- Você nos envergonha - disse numa baforada. - Deita-se como fazem as mulheres. Para todo homem, toda coisa viva. Parece um bicho de rua que abaixa-se para qualquer coisa maior. Não é possível que não pense só um pouquinho em ser decente. Não basta o lugar onde colocou o nosso nome. Além de assassino, é uma puta.
Eu tentei soprar alguma coisa, porque era isso que me restava fazer tendo a garganta comprimida entre os dedos dele, e a mão do queixo foi logo aos lábios, impedindo-me de continuar o que tivesse para falar.
- Não quero saber o que faz quando não está aqui, mas se quiser continuar com suas sujeiras, que seja longe. Tão recente é o seu retorno e eu já stou cansado, Andri - sussurrou em um tremer de lábios. Continuava apertando-me, mas de forma que eu pudesse inspirar algum ar. - Se vou ao café, somos vigiados por olhares julgadores, se vou ao porto, ouço das suas safadezas. Quem são aqueles que chegaram com as baleias, aqueles das pesquisas? Não poderiam fazer o que fazem escondido dos olhos alheios? Precisam se mostrar tanto? Eu tenho nojo do que fazem - ele finalmente cuspiu enquanto falava.
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AZUL
Детектив / ТриллерO que acorda o regresso? Que sentimentos aguardam a volta? Qual é a cor de quem foi e, finalmente, retorna?