Diários de um Esquecido

Sentimentos

A vida é algo surpreendente, cheio de possibilidades e novidades, principalmente para pessoas como nós. Tudo sempre é novidade. E isso é algo bom, é isso o que nos move a querer viver mais a cada dia, as novidades que a vida ainda pode proporcionar. E mesmo que de certa forma eu "morra e recomece" várias e várias vezes durante minha caminhada, não consigo imaginar como deve ser morrer definitivamente. Acho que ninguém imagina, ninguém espera algo assim. Simplesmente acontece.
Estou internado em uma clínica chamada "San-Marina", que é dividida em dois setores, o setor A, que lida com problemas psicológicos como depressão e ansiedade. E o setor B, que lida com surtos mentais como a Amnésia. Foi dia de integração entre os setores, havia atrações especiais e comida festiva. Literalmente uma festa. Acontece essa integração uma vez por ano no aniversário da clínica, porém, foi uma ocasião ainda mais especial, por conta do seu aniversário de vinte anos. Haveriam emissoras de TV e representantes políticos para apreciar o programa do evento. Uma ocasião alegre e oportuna para conhecer mais pessoas e expandir o nosso circulo social.
Era de manhã, e já estava praticamente tudo pronto; o palco estava montado, as mesas enfileiradas e tudo pronto para a festança. Porém, algo aconteceu, algo que mexeu com todos os membros ali, tanto os pacientes, como os funcionários que ali trabalhavam.
A área reservada para os pacientes já estava lotada. Eu, como sempre, estava andando vagamente, observando e pensando em minha vida e em minha memória que não havia voltado.
Os convidados chegavam sem parar, e se acomodavam em seus assentos aleatoriamente. Mas em algum momento, percebi que já não entrava mais ninguém no lugar, não porque já estava lotado, mas sim porque as portas estavam fechadas. O palco, que deveria ser utilizado para receber o grupo musical tão aguardado, teve que ser local de um dos avisos mais impactantes da história daquelas pessoas:
- Sabemos que nosso amado fundador, foi alguém muito importante para todos nós presentes aqui hoje. E justamente por isso, é com muita dor no coração que eu digo isso a vocês... O nosso querido Sr. Page foi a óbito nessa manhã. A festa será cancelada. -Disse o Organizador, com lágrimas no rosto e com a voz trêmula.
Neste momento, olhando as pessoas sofrendo e se lembrando daquele velho homem que eu já nem sequer sabia da identidade, não me restou muito o que fazer, a não ser me afastar.
Eu sabia que assim como todas as outras pessoas ali, aquele senhor havia feito parte de minha vida. Sinceramente, é impossível descrever meu sentimento naquele instante. Geralmente em situações assim, nós nos lembramos de nossos bons momentos juntos, nossos encontros e palavras de afeto. Mas nesse caso, eu não me lembrava de absolutamente nada, nem sequer dos detalhes faciais daquele senhor. Porém, ver aquelas pessoas sofrendo e chorando, desacreditadas da situação, me fez sentir a dor delas. Mas alguem em especial me tocou aquela noite, algo me provocou mais impacto emocional. Havia uma garota, logo no primeiro momento em que olhei para ela, e mesmo que tenha por uma certa distância, consegui sentir tudo, tudo o que estava afligindo aquelas pessoas. Eu senti toda aquela dor, mesmo sem me lembrar do motivo ou da razão. Ela estava desesperada e correndo direção para o terraço. Algo diferente tocou meu coração, algo que eu nunca imaginei que fosse possível. Eu senti a dor do luto, mesmo sem "conhecer" a pessoa em questão. E não me importava a tristeza, mas sim, o sentimento que eu criei quase que imediatamente. Eu me senti despedaçado e ao mesmo tempo, esperançoso, afinal, eu estava de certa forma recuperando algo do meu passado.
Conclusão? Sentimentos vão além da lógica, além da memória e de tudo o que sabemos. Os sentimentos são o que nos fazem viver de fato, independentemente de todo o resto.
Acredito que já tenha se sentido assim também, e se sentiu, você deve ter ficado completamente sem chão. Mas algo aquela noite me fez repensar muita coisa, mudou tudo. Vou lhe dizer o que foi.