Esclarecimentos (parte 2)

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É surpreendente como as coisas acontecem inesperadamente as vezes. As vezes isso significa boas notícias, as vezes não.
Acredito que independentemente do número de vezes que você perder sua memória, algo assim nunca sairá da sua cabeça. Mas caso você tenha se esquecido, vou lhe explicar.
Essa é uma história de praticamente três anos atrás. Eu estava sendo tratado na clínica San-Marina, porém, estava hospedado na casa de Anny May, na época, minha médica e mãe de meu amigo James.
Minha história de amizade com James foi bem intensa. Creio que você só vai conseguir entender tudo o que aconteceu entre nós quando souber toda a história. Até onde eu sabia, nós havíamos nos conhecido na porta da clínica, ele havia me reconfortado e daí surgiu uma amizade. Mas nossa amizade já vinha de antes.
Foi ainda no colégio, eu tinha treze anos e James tinha quatorze. Ele estava na minha sala no sétimo ano. Como todo mundo sabe, ele sofria por problemas de depressão e estava faltando muito as aulas, então acabei me aproximando dele para tentar anima-lo. Chega a ser estranho pensar algo assim, eu, Alex Barker animando alguém. Mas foi exatamente isso o que aconteceu.
Nós éramos muito próximos, mas pelo que Anny me disse, nós nos desentendemos em algum momento de nossa amizade e então fomos nos afastando. Ele começou a fazer engenharia em uma faculdade bem reconhecida. E eu? Bom, isso já é mais complicado de dizer agora. Mas o que importa é que nós ficamos afastados por um bom tempo, até que eu me esqueci dele e por fim nos reencontramos novamente.
Eu não paro de me perguntar "como seria minha vida se ele não tivesse me encontrado?". Eu poderia ter saido daquela clínica, dormido alguns dias na rua e logo depois ser atropelado inesperadamente. Ou eu poderia me tornar usuário de drogas. Ou eu simplesmente poderia ter dormido e acordado me lembrando de tudo. Tudo poderia ter acontecido, mas de qualquer forma, acredito que qualquer coisa seria melhor do que isso.
Não sei exatamente como isso aconteceu, ninguém sabe. Mas honestamente, tenho um certo medo de saber. Mas pelo que me disseram, eu e James estávamos voltando de uma viagem e nosso carro bateu em uma árvore na pista. Não foi nada muito grave, nós estávamos com pouca velocidade, então não quisemos preocupar ninguém, ou melhor, James não quis. Eu sempre fui um pouco mais consciente. Então, preferimos dormir em uma pousada ali perto e ao amanhecer iríamos decidir o que fazer.
Acredito que era mais ou menos umas duas da manhã, o lugar estava bem quieto. Mas eu conseguia escutar alguns sussurros vindo da outra cama. Era James falando no telefone. Ele ficou lá conversando no telefone umas três horas seguidas, ao terminar James estava chorando. Fui lhe perguntar o que o afligia, mas ele não quis me dizer, então, resolvi não insistir.
No outro dia, ao acordar, o quarto estava vazio. Havia apenas algumas garrafas de vodca embaixo da cama, fotos de Tracy (namorada dele na época) rasgadas e jogadas pelo quarto. Fui procura-lo. Perguntei a todos os funcionários se ele tinha sido visto lá, porém, ninguém soube me informar. Fui até lá fora e o carro também já não estava mais lá. Acredito que aquele foi o momento em que eu mais forcei minha memória. Eu me lembrei de algo que ele me disse anos antes, quando estava passando pelo momento mais sério de sua doença. Ele me disse que na infância, sempre ele passava por algum problema emocional, ele saia para refletir em um rio que havia perto de casa. Ele ficava horas olhando a água, pensando nos problemas. Eu realmente não tinha nenhum outro lugar para procura-lo, a não ser o rio que passava ali perto, então eu fui até lá tentar salvar meu amigo.
Enquanto eu andava, mil coisas passavam pela minha cabeça, tentando de certa forma, prever o que iria acontecer ali. Eu gostaria muito de dizer que eu o encontrei em cima da ponte, prestes a se jogar, que nós conversamos por horas, até que ele se cansasse e descesse para viver de novo, para tentar mais uma vez. Gostaria de dizer que eu consegui no mínimo conversar com ele. Mas nada disso aconteceu. O fato é que a ponte estava vazia, o rio estava calmo e o carro estava ali, parado. As portas estavam esperando para serem abertas novamente pelo motorista, mas elas não foram. O fato é que eu havia encontrado meu amigo, mas ele estava morto. O fato é que eu não pude retribuir o ânimo que ele me deu. O fato é que meu amigo saiu bêbado e com um emocional alterado as seis da manhã sem dizer pra onde ia, ou o motivo de seu desespero, travou o carro, vedou os vidros, escreveu o nome da a namorada nos pulsos com os cacos de vidro das garrafas vazias que haviam no carro e inalou um gás tóxico até ele não conseguir mais respirar. O fato é que ele se foi, sem se despedida ou aviso prévio, ele simplesmente se foi. Depois disso, eu fiquei um tempo longe de tudo o que eu conhecia. E aos poucos, novamente, me esqueci de tudo. Sinceramente, eu gostaria muito de me esquecer de novo.
Mas eu ainda acredito que no final das contas, tudo vai dar certo, ainda tenho esperança. Pois se eu perder essa esperança, o que vai me restar?
A vida é complicada meu caro Alex; e quanto mais você procura entende-la, mais confusa ela fica. Em certos momentos na vida, não importa quantas luzes você coloque no final do seu túnel, ele vai continuar escuro e difícil de atravessar. Mas eu sei que você vai conseguir Alex, tenho fé em você, espero que você também tenha essa fé.

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