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15 anos atrás...

"Quando à corte silente do pensar eu convoco as lembranças do passado, suspiro pelo que ontem fui buscar, chorando o tempo já desperdiçado..." eu recitava em minha cabeça para afastar o tédio.

Mesmo no salão cheio de pessoas, o mundo parecia mais entediante e vazio que o normal; Eram os mesmo rostos, as mesmas conversas, as mesmas roupas, as mesmas danças. Infelizmente, tinha que estar ali - ser uma líder tinha seus lados ruins. Ao meu lado, Nicolas olhava o salão com atenção, fingindo ser o vampiro responsável que ele nunca foi. Dividir a liderança com ele era uma dor de cabeça - uma que não ia embora há mais de 400 anos. Ser mais velha que ele ao menos me permitia vetar qualquer decisão estúpida que ele decidisse tomar.

Fui tirada de meus pensamentos quando notei alguém vindo em minha direção. Olhei atentamente para o vampiro que vinha para perto e se curvava a minha frente. No momento em que ele começou a falar - cumprimentos esdrúxulos e elogios vazios que funcionavam apenas com Nicolas - voltei a recitar o poema que estava em minha cabeça.

"Afogo olhar em lágrima, tão rara, por amigos que a morte anoiteceu; pranteio dor que o amor já superara, deplorando o que desapareceu..."

Não havia poema melhor para definir minha vida desde que havia sido transformada. De todos os poemas que Shakespeare havia escrito, aquele parecia ter sido feito para mim. Não havia nenhum ser na face da terra que lamentasse o que havia perdido mais que eu. Mais de 500 anos de lamentos me davam esse posto. Notei que o rapaz que falava conosco virou seu olhar para mim. Ele havia dito algo que eu não havia prestado atenção. Lancei-lhe um sorriso e dei um aceno de cabeça; Ele pareceu satisfeito.

Revirei levemente os olhos enquanto ele voltava a falar. O que ele esperava conseguir com o falatório? Meu respeito. O que ele ganhava? Meu maior desinteresse.

Não me interprete mal, por séculos fui uma ótima líder para toda a colônia. Era a favorita de Azriel, e a população de vampiros da colônia americana vivia em perfeita harmonia com as outras raças do país. Eu levava meu cargo a sério, mas não levava algumas pessoas tão a sério assim.

Ao ver que aquele rapaz não sairia tão cedo, me permiti recitar mais um verso.

"Posso então lastimar o erro esquecido, e de tais penas recontar as sagas, chorando o já chorado e já sofrido..."

Percebi que o rapaz estava finalmente indo embora, fazendo uma reverência um tanto confiante antes de se retirar. Notei Nicolas se ajeitando em sua cadeira e o olhei curiosa. Ele olhou de volta, uma expressão de superioridade parecia preencher seus olhos. Eu odiava quando ele tinha os súbitos ataques de confiança. Era eu quem tinha que colocá-lo de volta em seu lugar.

"Sabe..." ele começou "Deveríamos observar aquele rapaz. Acho que ele tem talento para o Conselho."

"O Conselho está lá para tomar decisões, Nicolas, não encher seu ego." comentei rapidamente e percebi ter quebrado sua bolha de superioridade naquele momento. "Além do mais, essa era a intenção dele. Achei que aos 465 anos você teria criado um pouco de bom senso."

Com isso, me levantei de meu assento e passei a caminhar entre os vampiros que estavam presentes. Podia ver com clareza todos pararem para me observar, alguns se curvando em respeito, outros cochichando entre si. Ignorei a todos e saí do grande salão, indo para a varanda do casarão. Assim que fiquei longe de todos puxei um pouco de ar para os meus pulmões. Não que aquilo fosse fazer algum efeito, eu estava morta, mas a lembrança de ter ar circulando pelos meus pulmões parecia reconfortante.

Olhei para o céu, observando as estrelas. Ao menos aquele cenário ainda era o mesmo. O mundo a minha volta mudava drasticamente cada dia, mas o céu se mantinha o mesmo, talvez se sentindo solidário a mim, a garota que havia sido obrigada a permanecer a mesma. Sorri com a minha desgraça, olhando para minhas próprias mãos. Se eu imaginasse o suficiente eu poderia ver elas com sua cor avermelhada original. Infelizmente, elas estavam tão pálidas quanto no dia em que fui transformada. Não, eu não era a mesma. Eu era uma criatura completamente diferente do que já fui uma vez, obrigada a viver com as memórias de uma vida curta, uma vida que foi interrompida por uma obsessão doentia e um plano político do qual eu nunca pedi para fazer parte.

Races - Livro 1: Vampiros (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora