P r ó l o g o

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"Caos,

matéria-prima a me constituir.

Não chegue perto demais,

isso pode te destruir.

Sentimentos mortos, jazem os corpos

trazendo um aviso de antemão:

perdidas, as almas pedem perdão,

vagando atrás de algo que jamais poderão possuir."

Créditos do vídeo linkado: https://www.youtube.com/channel/UCq52MbjRULLbjRPvxM7FwZg

⚠️⚠️TW: ALERTA DE GATILHO⚠️⚠️

⚠️Suicídio/Depressão/Agressão/Abuso Sexual/Alcoolismo⚠️

"Há descrições bastante sensíveis, tanto neste capítulo, quanto no restante do livro. Por favor, tenha cuidado."

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A mulher de cabelos negros estava deitada no chão gelado da sala, olhando para o teto cinza abarrotado de teias de aranha. Vários locais de seu corpo estavam com algo para contar naquele dia, tão numerosos eram os danos. Em sua mente os pensamentos embaralhados a atormentavam como nunca. Era um sentimento bem estranho o de perder a noção do tempo por tanto tempo. Havia se tornado alguém completamente diferente.

Existem pessoas que acreditam em destino, predestinação. Que no momento em que o milagre da vida se inicia, está escrito: tudo aquilo que aquele indivíduo irá conquistar, sofrer, sorrir, amar... já está determinado, sendo o curso de eventos mediado e determinado pelo tempo.

Deitada no piso frio, a mulher se deleitava diante da constatação de que esta coisa - o tempo - jamais fora seu aliado. Na verdade se sentia amaldiçoada por ele. O sorriso em seu rosto expressava uma melancolia comum e, ironicamente, se tornava a visão mais dolorida de seu corpo, mesmo em meio a todos os outros hematomas. Quantas escolhas ruins, quantas besteiras... seria esse seu destino, estragar tudo em que tocava?

As lembranças a atingiam como golpes finais de uma luta árdua que parecia ter durado uma eternidade. Só conseguia pensar em fragmentos do passado feliz que um dia teve a chance de construir. O cheiro era real ainda, cheiro de flores no quintal que invadiam suas narinas, ela podia sentir – mesmo em meio ao sangue. Aqueles olhos cor de esmeralda tão brilhantes... Tudo aquilo parecia ter pertencido a outra pessoa.

As memórias ruins se sobressaíam. Aquilo a definia e a assombrava.

Não conseguia lembrar a última vez que havia sentido felicidade genuína em seu coração. Sentia um gosto metálico na boca todos os dias, sua pele queimava como se estivesse com alergia — de certa forma, estava mesmo.

Tudo estava quieto e barulhento demais ao mesmo tempo.

Silêncio externo, inferno em sua mente.

O pior sentimento de todos era o de que jamais conseguiria se livrar de tudo aquilo que lastimavelmente suas escolhas a levaram. Seria possível que todo o inferno lhe perseguiria para onde quer que fosse? Era seu maior medo no mundo. Nunca ter paz. Quando ela finalmente decidiu se levantar, podia jurar que havia escutado seus ossos rangerem. Estava magra demais. A bochecha queimava num local familiar e habitual. No quarto que não lhe pertencia, a mulher se sentou na escrivaninha e segurou um livro velho - aquele livro velho - entre as mãos. Mais lembranças e mais dor provinham daquele objeto. Seus olhos ardiam como se tudo ao seu redor estivesse em chamas.

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