C a p í t u l o ▪ 1 ▪

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"Bem-aventurados aqueles que buscam na arte o enriquecimento do intelecto,

O antídoto para a dor."

São Paulo,
nos dias de hoje.

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Elizabeth abriu a porta do restaurante fazendo tilintar os enfeites pendurados na parede.
Sentou-se num dos bancos e enquanto sentia o aroma usual de álcool e cigarros caros, encarou seu próprio reflexo desfocado na parede espelhada do bar.

— Tentando enxergar que horas são, Eliza? — disse Samuel, o bartender.

— Esqueci os óculos de novo. — respondeu com um sorriso cansado. O rapaz deu risada enquanto colocava uma dose de whisky sem gelo à frente dela. Samuel usava lentes de contato brancas naquela noite. Eliza adorava quando ele as usava. Adorava mais ainda suas tatuagens e seu sorriso branco perfeito. Terminou o whisky num gole e largou o copo, avançando entre as cadeiras e mesas do salão, rumo aos degraus que dariam acesso ao palco — seu palco.

Uma coisa muito importante deve ser pontuada: Eliza odiava monotonia, fazer sempre as mesmas coisas. Achava rotina algo cansativo e tedioso, por mais que nos últimos anos não tenha tido muito poder de escolha. Mas essa parte da rotina, esse ciclo... Isso sim fazia valer a pena toda a dor e noites mal dormidas. Aquele era o que ela considerava como o ponto alto de amor de sua vida, o combustível para suas veias, o único momento em que se sentia realmente viva.

— Bom jantar à todos, o Bistrô agradece a preferência.

Ela piscava os olhos numa tentativa falha de enxergar ao menos um terço dos clientes ali presentes. Desistiu. Ajeitou o instrumento e pegou um papelzinho da caixa: 

"The Whistler — The White Buffalo".

Agradecendo mentalmente o bom gosto sempre impecável de seus clientes, entregou o pedido ao pianista. Eles trocaram um olhar e um breve aceno de cabeça.

As luzes abaixaram e um refletor iluminou o rosto de Eliza quando ela começou a cantar.

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— Ótimo show hoje, Villar. Muito obrigada. – Eliza agradeceu ao seu parceiro de trabalho enquanto guardava seu instrumento de volta no estojo.

Fim da noite, hora de encarar a sombria viagem de volta para casa pela 2ª vez no dia. Desceu as escadas, pegou sua bolsa e caminhou rapidamente entre os corredores, rumo à saída. Assim que faltava pouco pra chegar à porta, lembrou de algo e correu até o bar.

— Sam! — chamou.

Seu amigo se materializou no mesmo instante.

— Diga, minha estrela!

— Preciso de um daqueles seus remedinhos.

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