"Meu pai uma vez me falou
de um anjo...Eu costumava sonhar que ele
aparecia...Agora quando eu canto,
Eu posso senti-lo..E eu sei que
ele está aqui..."
(Christine Daaé,
The Phantom Of The Opera,
2004.)
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- Eu lavo e você seca. - diz Eliza, jogando um pano de prato amarelo para Jake.
Por longos minutos, ficaram quietos, um ao lado do outro.
- Como está se sentindo? - Jake pergunta, quebrando o silêncio.
- Com dor e exausta.
- Você trabalha num restaurante, não é?
- Sim.
- Desde quando? Você deveria estar estudando. - neste momento ele está empilhando os pratos e os guardando no armário.
- Deveria mesmo. - ela suspira. - Mas com... A morte da minha mãe tive que começar a trabalhar.
- Eu entendo... Isso não foi justo com você em nenhum sentido.
- A vida não é justa. - ela entrega a última panela para ele, e termina de limpar a pia.
O telefone toca e Jake atende.
- Oi vó. Tudo bem. Sim, estamos. Tranque bem as portas. Qualquer coisa, ligue. Te amo. Durma bem. - ele desliga e olha para Eliza. - Elas já chegaram em casa.
- Ótimo. Pode me fazer um favor, Jake? - pede ela.
- Claro.
- Pegue aquela caixa em cima do armário para mim, por favor.
Ele resgata a caixa e a entrega para Eliza. Ela pega um remédio para dor, enche um copo com água da torneira e engole o comprimido. Jake devolve a caixa para seu lugar.
Os dois caminham até a sala. Ficam parados olhando um para o outro.
- Você já vai dormir, Elizabeth? - questiona o rapaz.
- Eu não sei...
- Parece que têm bastante filmes ali. Vou dar uma olhada.
Elizabeth se senta no canto direito do sofá, observando enquanto ele analisa filme por filme no meio dos muitos dentro da caixa. Jake retira a cascata de cabelos pretos de cima da testa num movimento involuntário mais de uma vez. Uma mania. Eliza de súbito repara que não sabe quase nada sobre ele.
- Você... Está estudando? - ela arrisca perguntar.
- Não. Eu servi ao exército dos EUA por muitos anos e, enquanto isso, estudei medicina com a intenção de fazer especialização em psiquiatria. Concluí a faculdade de medicina mas não fiz a residência. E parei de servir à poucos meses atrás. Então basicamente sou um médico desempregado e ex-militar "estrangeiro".
- Uau... Desde quanto você servia? Não é necessário uma série de burocracias para que um brasileiro ingresse no serviço militar estrangeiro?
- Comecei aos 18 anos. Foi meio complicado no início, mas depois de 3, 4 anos as coisas se encaixaram e deram certo. Muitas vezes fiquei por um fio, a ponto de ser mandado de volta para o Brasil. E conciliar uma faculdade de medicina com a vida de militar não é nada fácil. Mas era bom. Mantinha a mente em constante ocupação, era exatamente o que eu queria e precisava.
- E por que decidiu largar então?
Ele ficou em silêncio por um tempo.
- Já era a hora. - murmurou baixinho.
Eliza reparou que ele lembrava muito um profissional psiquiátrico. Possuía uma aparência misteriosa, vestia-se como um corvo, seu rosto e suas palavras transmitiam muita seriedade. E quando ele a olhava nos olhos... Parecia enxergar através dela.
- E o que você teria feito se tivesse tido a oportunidade? - diz ele, interrompendo seus pensamentos.
O rapaz se senta no meio do sofá, razoavelmente próximo dela.
Eliza sobe as pernas e aproxima os joelhos do próprio peito, os abraçando. O remédio começa a fazer efeito, lhe tirando um pouco da dor e, em contrapartida, trazendo um pouco de sono.- Teria me dedicado à ciência, sem dúvidas. Engenharia mecânica, tecnologia, o estudo das estrelas...
Jake dá risada. Seu riso é gostoso porque é verdadeiro e Eliza quase sorri também.
- Do que está rindo?
- É engraçado a sua inconstância.
- Ah... Você sabe. Nem sempre o plano a) dá certo. Mas eu queria ter estudado tudo isso.
- É triste você ter sido obrigada a não tentar nenhuma.
- Quem sabe daqui à alguns anos.
Depois disso os dois apoiam a cabeça no sofá e conversam sobre bobagens. Depois ficam em silêncio.E Eliza acaba não aguentando.
Ela adormece, caindo para o lado e deitando a cabeça na perna de Jake. Ele não sabe ao certo o que fazer, e desajeitado, passa a mão no cabelo dela, tirando-os de seu rosto. O rapaz fica ali, por um longo momento, hesitando. Aquele sofá é extremamente desconfortável, então ele sabe que tem que levá-la para a cama, mas pondera se deve acordá-la ou simplesmente a carregar no colo.
Estava com medo de que uma vez acordada, não conseguisse pegar no sono de novo. E, por Deus, aquela garota tinha tido um dia infernal.Merecia descansar.
Grande dilema.
Jake suspira. Ou leva a garota nos braços ou a deixa ali para acordar com um torcicolo dos diabos.
Eliza está dormindo tão pesado que não sente quando ele se levanta e a pega no colo com cuidado, colocando os braços dela em volta de seu pescoço.
Jake caminha até o quarto de Eliza e empurra a porta com o pé. Ela ainda está com os braços em volta de seu pescoço quando ele a coloca na cama.Eliza não o solta.
Jake fica ali, suspenso, olhando para ela.
- Hora essa... - ele sussurra. - Não faça isso...
A menina desata as mãos e suspira, se aconchegado na cama. Jake começa a se afastar e se prepara para fechar a porta.
- Jake... - a menina fala num filete de voz, meio acordada meio dormindo, os olhos ainda fechados.
- Estou aqui.
- Não quero ficar sozinha.
O rapaz fica olhando pra ela. Depois observa o quarto e consegue achar um edredom pesado em cima do guarda-roupa. Jake estende a colcha no chão enquanto Elizabeth assiste à tudo com os olhos semicerrados.
Quando Jake se deita, ela lhe entrega um de seus travesseiros.
- Obrigada. - é tudo que Eliza consegue sussurrar antes de se sentir segura o suficiente para dormir de vez.
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RomanceELIZABETH TINHA PLANOS . . . Estudar mais do que a capacidade humana possibilitava, passar na faculdade e se tornar uma grande engenheira. Mas ainda muito jovem, acaba tendo que assistir seus sonhos escapando como areia entre seus dedos. Sozinha, te...