Acordei com o sol radiante na janela do carro, ao meu redor não vai nada além de árvores e mais árvores, que pareciam se estender por todo o perímetro adiante,galhos secos e uma estrada de terra enfeitavam a paisagem que apelidei de "meio do nada". Chiara ainda dormia no banco de trás do carro e a gasolina estava em um pouco mais da metade, o que me dava tempo pra reencontrar o caminho de volta, antes que ela despertasse.
Liguei o carro e comecei a andar, aparentemente, andava em círculos, quando tive a brilhante ideia de procurar pelo celular de Chiara , o GPS podia me ajudar a descobrir minha rota. Para o meu azar, ele estava na calça dela e seria quase impossível pegar sem acorda-la, a gasolina já havia diminuído, assim como minhas opções, estiquei minhas mãos e levei- as até o bolso de Chiara, com o maior cuidado possível.
Por um deslize, acordou com um susto e após olhar pela janela, se conteve para manter a sanidade enquanto eu abria um sorrisinho amarelo.
—Onde estamos?! – Perguntou eufórica.
Dei uma risadinha sonsa e peguei o celular de sua mão dizendo:
—É o que vamos descobrir agora.
Comecei a balbuciar algumas palavras com segurança, até que ao olhar o celular, meu rosto empalideceu:
—Sem sinal...- Disse.
—Ok, garoto gênio, qual sua próxima grande ideia? – Respondeu bufando de raiva.
Entreguei as chaves em sua mão:
—A partir de agora, você dirige.
—Essa sim é uma grande ideia – Respondeu se sentando no banco da frente do velho metálico. Ao girar as chaves, o mesmo fez alguns barulhos pra depois morrer de vez.
— O que aconteceu agora? – Perguntei.
—Sem gasolina – Ela respondeu.
—Não tem reserva?!- Exclamei.
—Era pra estarmos em Guararema agora!! Como você consegue estragar tudo que toca?!
Me calei e a observei sair do carro:
—Onde vai?
—Aqui é que não vou ficar – pude ouvir de longe seu grito enquanto desaparecia pela estrada.
Eu, preocupado, a sigo mas é claro que estava preocupado com o bem estar dela e não com medo de ficar sozinho no meio desse nada, escuro...É! Com certeza eu só ia segui-la pra garantir sua segurança. Após andarmos vários km sem que ela me dirigisse uma palavra fiz um breve comentário.
— Acho que já passamos por aqui.
—De quem é mesmo a culpa por estarmos nessa situação? – Respondeu e me calei novamente.
Caminhamos por mais alguns minutos e o silencio havia se tornado torturante:
—Eu sinto muito, Chiara, eu sempre acreditei que essa minha rebeldia ia me levar pra um lugar melhor.
—E olha onde viemos parar – Suspirou.
O sangue me subiu a cabeça e chutando o chão, gritei:
—Sinto muito por ser diferente, sinto muito por não ser um exemplo, sinto muito por não ser perfeito como a minha irmã, me desculpe por ser somente eu!
—Perfeita? Sua irmã? – Pude ver a confusão em seu rosto:
—É,Maria, a queridinha dos meus pais.
—Sabe como conheci sua irmã?- Ela perguntou.
—Na faculdade, não? – Respondi.
Ela deu um breve suspirou e começou a falar:
—Sim, foi na faculdade mas nunca fomos assim tão próximas, após o primeiro semestre de aula, sua irmã havia se metido com um pessoal meio "barra pesada" que forneciam verdinhas pra ela regularmente, quando a faculdade descobriu, a expulsou do Campus. Eu precisava de alguém pra dividir as despesas e ela de um teto.
Recordei todas as vezes que ela nos impediu de visita-la, com desculpas esfarpadas e calendários lotados.
Uma voz me trouxe de volta a realidade:
—E você? Por que fugiu de casa?
Com receio de dizer toda a verdade, cuspi algumas palavras que nem mesmo eu consegui entender:
—Eu estava cansado de ser tratado como criança.
—Você age como uma – retrucou.
Num momento de raiva, tudo veio a tona:
—No dia em que fugi, não sabia pra onde iria, roubei alguns trocados da carteira do meu pai e comprei bebidas baratas num bar de esquina. Furtaram o que me restou e acabei aqui, mas é melhor que lá, mil vezes melhor, estava cansado de viver nas sombras da minha irmã, deles não me aceitarem como sou, terem nojo do que sou, eles vivem procurando a cura mas ninguém enxerga que eu...eu. Ao desviar meu olhar pude ver uma placa "Pico do Garrafão", li em voz alta.
—Pico do garrafão? –Questionou.
—É, olha lá- Que ao virar, me abraçou.
Eu...eu...não podia mais mentir pra ela, não podia mais guardar aquilo, precisava dizer, precisava acabar com aquilo:
—Sou a própria doença! – Berrei e corri pra onde a placa indicava, não parei por um segundo sequer, a adrenalina movia meu corpo mais rápido a cada segundo. O pico era uma montanha, íngreme e densa, quando estava quase no topo parei com as mãos no joelhos enquanto fadigava sem parar.
Meus olhos se enchiam de lágrimas quando a vi vindo em minha direção:
—Fique longe de mim!
Mas a cada passo ela ficava mais próxima, com uma de suas mãos no meu ombro e a outra secando minhas lagrimas que já não paravam mais de escorrer, disse:
—Não há cura para o que não é doença. Engoli em seco e ela continuou:
—A homossexualidade é uma orientação sexual tão normal, saudável e natural quanto qualquer outra. Oh céus! Este é um país livre, as pessoas deviam no mínimo poder escolher com quem se relacionar sem serem julgadas.
—Todo mundo julga todo mundo, é mais fácil distribuir o ódio – Respondi aos soluços.
Um mundo onde os verdadeiros problemas são mascarados e as pessoas veem mais doença no amor alheio que nas camas de hospitais, esse é um mundo podre e as pessoas fazem parte da sujeira. Se aceitar é o primeiro passo, abra os olhos, você é o que é e não podemos fugir de nós mesmos.
E ali deixei minha dor, insegurança e o peso que carregava. Naquele momento soube que o que não entendia é que fugir de si mesmo é perda de tempo em algum momento a estrada acaba e nos vemos presos em uma rua sem saida, lotada de espelhos. É quando chega a hora de finalmente se olhar no espelho e perceber que não há nada de errado em ser voce.
"Eu sou gay, e tá tudo bem"

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Liberte-se
القصة القصيرةA adolescência é a fase da vida que nos descobrimos. Os desejos mais obscuros, os caminhos que queremos seguir e o destino que tememos chegar. Gesiel, beirando os 17 anos receava nunca se encontrar.Após uma briga com os pais ,foge de casa e descobre...