Dois

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Acordara faltando poucas horas para o almoço e fiquei feliz por saber que não teria que sentir fome por tanto tempo - tínhamos que agradecer por termos uma pequena plantação de tubérculos em Mallory. - Mas por conta disso perdera uma parte de meu dia. Eu deveria estar fazendo algo de produtivo e restavam-me poucos dias de ignorância a respeito de minha vida, logo, eu não deveria desperdiçá-los assim. Era para estar junto das pessoas que mais amava antes que tudo mudasse.

Três pessoas haviam nascido no mesmo dia que eu aqui em Mallory: Daros, Agatha e Raed. Não nos falávamos muito, por isto mantínhamos sempre distância uns dos outros, menos Daros e eu. Agatha era provida de uma beleza concedida como uma dádiva. Admirada por todos - não o bastante, ela era extremamente bondosa e ajudava as pessoas. Podendo até deixar de comer a sua última, ou única refeição do dia para dar àqueles que que estavam mais necessitados do que ela. Seus cabelos tinham cor de rubi sedosos e volumosos, assim como seus lábios. Sua forma graciosa causava inveja em muitas mulheres, mesmo estando abaixo do peso, como a maioria de nós. Era reconfortante ter algo bonito em um ambiente triste e morto. Sempre me perguntei como uma pessoa assim nascera e se transformara em uma Desafortunada. Ela sempre estudou na mesma classe que eu durante todos os anos - aqui em Mallory as meninas tinham aulas separadas dos meninos – entretanto eu não sei por que nunca chegara a conversar com ela direito e mesmo agora sabendo que o dia da Cerimônia estava próximo, eu não conseguia pronunciar uma palavra se quer para ela. Não a encontro mais andando pelas ruas. Dizem as más línguas que ela enlouqueceu por não querer passar pela Cerimônia. Ninguém quer, mas todos nós somos obrigados a isso.

Raed é um cara mais complicado. Ele é muito explosivo e por isto nunca quis de fato chegar a conversar com ele. Você passou na frente dele e sem querer pisou no seu pé? Se desculpe em menos de alguns segundos por que se não você irá sofrer consequências que deixarão seus membros paralisados por uma semana, se você tiver sorte. Como nós nunca estudamos juntos o meu contato com ele se dava somente quando tínhamos que roubar algo para comer. Ele tinha o grupinho dele, enquanto eu ficava com a minha dupla. Somente eu e Daros. Era difícil não sentir pena das pessoas que não conseguiam fazer o trabalho direito para Raed. Só de olhá-lo dava medo. Seu enorme corpo e a ferocidade de seu olhar deixavam qualquer um mortificado. Se ele levantasse o punho para você era melhor correr. E correr muito. Ele era totalmente o oposto de Agatha, sua irmã. Sentia um enorme pesar pela família, pois no mesmo dia os dois irmãos passariam pelo pesadelo que inevitavelmente tentávamos evitar.

Olho para o espelho e vejo a minha marca. Ela estava em perfeitas condições e continuaria assim até o dia da Cerimônia. Vou para a cozinha e vejo que meu avô já está preparando o almoço. Sopa de batata. O caldo está ralo, mas assim irá sobrar mais para a janta. Poderíamos ter condições melhores para viver, se não tivéssemos que comprar a hena, porém parecia que precisávamos mais dela para sobreviver do que de comida. Várias vezes contestei o meu avô sobre este caso, mas ele nunca me dera ouvidos.

- Olá, vô – eu digo espiando por sobre seu ombro direito para poder dar uma olhada na sopa. – Quando fica pronta? – Sinto meu estômago roncar.

- Já, já, Kalina. – Ele diz sem realmente olhar para mim.

- Tenho que comer logo. Não posso deixar que o dia de hoje termine sem que eu o aproveite. Vou me encontrar com Daros hoje de novo já que estamos dando força um para o outro. O senhor sabe... – Sento na cadeira e começo a tamborilar meus dedos na mesa de madeira gasta pelo tempo. - Nesse momento tudo o que necessitamos é disso.

- Kalina, eu iria querer que você não saísse hoje...

- Por quê? – Sinto meus planos ruírem.

Interferência - A Casa das Máquinas do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora