Três

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As pessoas estão olhando para mim. Eu sinto seus olhares percorrerem todo o meu corpo. Eu não consigo vê-los, pois estão escondidos em suas casas. Mas sei que estão olhando por entre as vidraças de suas janelas. Eles comentam a meu respeito, tentando deduzir a que futuro terrível eu pertenço. Sei que agora devo estar com o mesmo semblante das pessoas que vira partir para a Casa das Máquinas, mas elas não estavam escoltadas. Eu estou sozinha e sendo conduzida por uns 10 Oficiais. Hoje o dia estaria cheio de conversas não só ao meu respeito, mas também a respeito de Daros, Agatha e Raed. Meus pés vão pisando na terra seca por falta de chuva, vão pisando no chão onde serei enterrada.

Chego ao local onde evitara a maior parte de minha vida. E meus olhos encontram Agatha e Raed juntos nas escadarias com vários Oficiais também e Daros do outro lado da enorme escadaria. Raed está com o seu olhar frio para todos, enquanto que eu consigo vislumbrar o pavor nos olhos de sua irmã. Daros continua com o seu olhar doce e sorri para mim. Depois de tudo o que meu avô me contara a respeito de meu passado eu havia esquecido o que Daros havia me dito. Não sabia quem estaria em uma pior situação. Eu ou ele.

Subo as escadarias e fico no mesmo nível que todos. Não sei se podemos nos falar. Queria contar tudo para Daros dizer que devemos tentar fugir. Que nossas vidas iriam acabar hoje. Tudo estaria acabado. Vamos subindo as escadarias em silêncio e vejo que sou a única desacompanhada. Todos estão com seus pais. Meu coração aperta enquanto imagino meu avô chegando e não me encontrando em lugar algum. Será que as pessoas iriam ter a decência de comunicá-lo que eu havia sido escoltada para a Cerimônia pelos Oficiais? Por favor, que elas tenham feito isto! Não sei se iria conseguir passar por tudo isso sozinha. Olho para Agatha e vejo que suas mãos tremem. Os pais de Daros estão chorando. Eles sabem que algo terrível irá acontecer, contudo meu amigo se encontra tranquilo.

Enquanto vamos chegando mais perto de nosso propósito, meu fôlego começa a ir embora. A Casa das Máquinas não deveria receber um nome tão mesquinho devido a sua magnitude. Ela não exibia uma forma fixa e sua textura me lembrava a fumaça que formavam formas humanas, de mãos, bocas, olhos... Poderia jurar que quando adentramos era o formato de um enorme rosto de uma mulher. Seus cabelos esvoaçavam, depois não sei mais, entramos.

Tudo estava escuro exceto por uma forma gelatinosa transparente que estava voando acima de nossas cabeças. Ela tinha uma forma elíptica e emitia luz. A medida que nossos olhos foram se acostumando vi que a sala era repleta de engrenagens de máquinas. Vou para perto de Daros e seguro sua mão. Ele aperta a minha com força. Bem abaixo da forma reluzente está um homem vestido também de branco.

- Entrem, entrem... – Ele diz e sua voz soa rouca e seca como o chão que pisara agora a pouco. Ele tinha a marca D e A ao mesmo tempo. A D do lado direito e a A no lado esquerdo. Seu rosto estava totalmente encoberto por elas. Ele aparentava ter uns 50 anos de idade. – Por que fazem essa cara? Animem-se, pois hoje saberão de seu destino. – Seu rosto se forçara tanto a sorrir que os músculos pareciam ter congelado. Ninguém sorriu. Depois de um tempo ele continuou. – Hoje é um dia especial e creio que irei falar muitas coisas que já ouviram falar no colégio, porém hoje vocês sairão daqui diferentes daqueles que entraram por aquela porta. Hoje vocês sairão daqui com a maior dádiva que o governo de Diaurum poderia ter dado para vocês. O saber! O saber do destino. Do futuro. – Ele disse aquilo com a maior empolgação que sua voz conseguiria suportar. Fico imaginando a quantidade de vezes que ele deve ter dito a mesma coisa. - No passado quando este mundo ainda era regido pela lei do mais forte, quando os séculos ainda separavam a história, a humanidade começou a entrar em decadência. A quantidade de pobres estava crescendo assim como a miséria, e, a quantidade de ricos não estava conseguindo suprir todas as necessidades que uma nação necessitava, para que o capital girasse. Como saber qual pessoa investir um trabalho árduo para que o progresso pudesse ser possível? Como saber se naquele monte de lixo, de sujeira, escombro, onde vivem os que estão em decadência, não existia uma pessoa capaz de ressurgir das cinzas? O saber mudou isso! Com a criação das máquinas Destinis aquele governo ruiu e iniciou a nova era. A era onde o destino mais promissor irá prevalecer! – Ele olhou para todos nós e deve ter reparado que só haviam Desafortunados. Não iríamos prevalecer de maneira alguma. Estávamos ali para vermos o final que nossa vida iria levar.

Interferência - A Casa das Máquinas do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora