Capítulo 2

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A loja nunca estava movimentada; minha avó insistia na venda de ervas e coisas assim; eu não via motivo para ficar aberta tanto tempo uma loja que pouco vendia. Quer dizer, as pessoas vinham comprar, mas não era tanto como uma loja de roupas ou algo assim. Infelizmente, a loja era herança da família Agarelli, minha avó repetia essa história sempre que podia. A mãe dela vendia, a avó dela vendia, avó da avó dela, e assim era. Porém, eu, Laysla Agarelli, não queria passar o resto da vida cuidando de uma loja em Castelsardo, Itália. Eu queria ir para a faculdade, viajar o mundo e ter uma vida estável. Mas no momento eu me contento em cuidar da minha avó.

Eu tenho 23 anos, meus pais vivem na Rússia e eu moro com minha avó que é espirita e dona de uma loja de ervas como já mencionei. Eu já fiz diversas faculdades, mas sempre larguei depois de um tempo por não ser o que eu queria de verdade; estou estudando e lendo sobre diversas coisas até ter certeza do que eu quero para mim.

— Laysla — minha avó surgiu na loja com uma jarra de chá.

Eu estava na mesa de canto, onde minha avó lia o passado, presente e futura das pessoas; eu estava escrevendo a letra de uma música do Bob Dylan enquanto a escutava, mas dei uma pausa quando minha avó se aproximou.

— Oi, vovó — respondi

— Quer que eu leia você, querida? — ela sorriu

— Não. Só estou escrevendo. — sorri

— Ah, saiba que seu passado é bem interessante, posso sentir. — ela sorriu

— Certo. Precisa de algo, vovó? — ofereci

— Seus pais ligaram — ela disse — e estão mandando um vestido para você.

— Eu não uso vestidos — sorri

Eu não era uma gótica frustrada, mas usava mais calça jeans, tênis e blusas de banda de rock pretas, cinzas e brancas. Meu cabelo era escuro, e estava sempre preso ou por baixo de uma tiara de pano. Meu rosto era pálido e estava, na maioria das vezes, carregado com uma maquiagem preta. Meus olhos eram cor mel do tipo que o sol destaca quando eu entro na luz. Eu era bonita, como uma Italiana comum.

— Use. Como vai ganhar um homem se vestindo como um menino? — ela sentou no sofá velho perto da vitrine

— Não quero um homem vovó. — eu ri

— Que bom. Porque nenhum deles querem você.

O sino da loja tocou, anunciando um cliente. Eu fui atender, e tentei indicar as melhores ervas, mas minha avó me contradizia sempre. Esses são os obstaculos de se viver com idosos.

No fim da tarde eu fui para as rochas, atrás da vista do mediterrâneo. O som da água me fazia pensar no resto do mundo; desejar tocar águas diferentes, pois há mais água neste nosso mundo do que terra. O céu estava colorindo e escurecendo, e eu senti que era hora de voltar.

Castelsardo era uma comuna pequena; bem organizada com uma arquitetura antiga e simples. Eu adorava andar pelas ruas e olhar as pessoas. Eu não era uma menina muito sociável, mas que mal há ficar em sua zona de conforto? Mas isso não impedia das pessoas me conhecerem, afinal, eu era a neta de Amélia Agarelli, a espírita.

— Laysla? — ouvi uma voz feminina familiar.

Olhei para trás e avistei Ster. Estudamos juntas e ela morava umas ruas depois da minha casa.

— Oi. — sorri quando ela se aproximou

— Quanto tempo — ela sorriu — Posso andar ao seu lado?

— Claro. Estou indo para casa — comecei a andar em sua companhia

— Então? Como está a vida? — ela perguntou

— Indo. — dei de ombros — Estou procurando o que fazer na faculdade. Talvez eu vá para outro lugar estudar.

— Isso é ótimo — ela afirmou — eu me formei em hotelaria. É ótimo.

— Isso é bom mesmo.

— E seus pais?

— Ainda na Rússia. — suspirei

— Ah. Deve sentir saudade deles, não é?

— Sempre tive minha avó. Foram poucas as vezes que eles vieram me ver. — olhei para ela, tentando mostrar indiferença

— Entendo.

Parei quando chaguei na loja; olhei para Ster e vi minha imagem mais jovem refletida nela. O tempo do ensino médio e todo o meu passado simples.

— Bom, boa noite — falei

— Boa noite, Laysla — ela acenou e seguiu.

Minha avó dormia em seu quarto e eu fui para o meu. No silêncio do quarto azul eu podia pensar nas coisas e planejar o dia seguinte. Estava cansada da minha vida monótona, mas eu não tinha opção. Pus um moletom velho e me joguei na cama. Olhei para o céu através da janela e pus uma música ao fundo.

Desejava que minha vida fosse tão interessante como o passado que minha avó afirmava que eu tinha.

O dia seguinte chegou depressa, e eu acordei exausta. Era como se eu não tivesse dormido nada na noite anterior, e eu já estava acostumada. Eu tinha sonhos turbulentos e estranhos, mas não lembrava deles; só tinha a sensação de um sonho ruim. Levantei logo, fiz um café para minha avó e e um chá para mim. Fui para a loja e a abri, virando a placa de aberto na vitrine. Sentei no balcão e folheei o livro de terror que havia começado no dia anterior. Eu era assim, uma garota nada romântica que gostava de roupas amassadas e livros de terror; que não fazia ideia do que cursar na faculdade, e que não sentia saudade dos pais.

— Laysla — minha avó com sua xícara de café em mãos — Peguei uns formulários de universidades para você preencher.

— Vovó, eu ainda não sei o que eu quero fazer.

— Espiristísmo parece bom, hein? Acho que você se daria bem.

— Não, obrigada. — Eu ri

— Ah, você não entende das coisas. — ela sentou com certa graça.

Olhei para ela e sorri. Minha avó era baixa na média de 1,55 de altura; era magra e passava parte do tempo com os cabelos brancos amarrados; usava roupas que mais pareciam lençóis. Ela usava óculos redondos, e adorava falar sobre espiritos.

— Sabia que na minha vida passada eu fui uma bruxa — ela disse e eu ri — estou falando sério, menina. Eu era uma bruxa, e fui morta na fogueira.

— Claro. — ri baixinho, mais pelo fato da história do que por não acreditar nisso.

— Deveria procurar saber o que você foi na sua vida passada— ela sugeriu — talvez ajude você a descobri algo para sua faculdade.

— Claro. Porque provavelmente os séculos anteriores tinham mais opções do que hoje. Tipo, posso ser fazendeira.

— Vou te acertar com minha bengala.

— A senhora não tem bengala.

— Eu compro uma só para te bater.

Eu ri e fui para a prateleira da frente, deixando ela com seu café. Eu prefiria arrumar as prateleiras empoeiradas do que entrar numa discussão com uma velhinha de 70 anos de idade.

Incógnita: Deixe-o irOnde histórias criam vida. Descubra agora