Capítulo 3

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Não sentia como se estivesse acordando agora; na verdade parecia mais que o tempo havia simplesmente pulado para hoje. Olhei para o calendário, mas não conseguia dizer que dia fora ontem. Era tão estranho, acho que posso estar doente, ou simplesmente entrando em depressão. Fui para meu computador e digitei meus sintomas para o google. Perda de memória, falta de atenção, cansaço e solidão. Fechei a página antes que ela carregasse. Não ia pesquisar para que o google me desse três dias de vida.

Abri o bloco de notas do meu computador e comecei a escrever uma crítica ao excesso de informações não precisas na internet; alguém que fosse pouco instruído acreditaria que realmente estaria morrendo se visse isso no google. O certo seria ter uma fiscalização nestes sites; esse era o certo.

Passei horas escrevendo tal crítica e no fim do dia a enviei por e-mail para a revista que eu trabalhava. Não queria ter de ir ao meu escritório ainda, não me sentindo horrível desse jeito. Eu precisava de tempo para ter certeza que havia perdido elas, e precisava de tempo para deixar elas irem. Tomei um banho longo e liguei a TV. Minha cabeça girou ao ver tudo que inovador que nela havia; progamas de TV novos, e comerciais de produtos que eu nunca ouvi falar. Senti um bolo no meu estomago; qual foi a última vez que sentia para assistir TV?

— Papai? — Camile agarrou meu braço assim que cheguei em casa. — Vamos assistir ao um filme que vai passar na TV?

— Hoje não, querida. Tenho que terminar um trabalho que peguei hoje — passei as mãos em seus cabelos — Deixe para a próxima.

— Mas...

— Katarine — ignorei minha filha de dez anos e chamei minha esposa — Vou jantar no quarto hoje.

Subi as escadas e deixei Camile e Katarine no andar de baixo.

Eu era um ser horrível que não merecia ter uma família. Como Katarine pode ter me amado algum dia? Como eu posso ter me tornado esse cara? Me pus de pé e saí de casa. Era preciso pensar em umas coisas, respirar, e ver a luz do dia.

Minha vizinhança estava agitada, e as pessoas que eu lembrava ter trocado pelo menos um bom dia pareciam estar mais velhas; eu jurava que meu vizinho do lado não tinha filhos, mas agora eram dois que pareciam ter sete e cinco anos. Meus vizinhos de frente já não eram mais os mesmo, e eu não lembro de nenhuma mudança. Porém, lembro de ignorar um tentativa de socialização dele comigo. Além de péssimo pai e marido, eu era um péssimo vizinho. Que maravilha.

Pus as mãos no bolso e segui caminho pelas ruas pouco movimentadas; eu desviava das pessoas, agradecendo por nenhuma delas me olhar realmente; eu me sentia invisível, e isso era bom. Nunca gostei de sorrisos inesperados de pessoas estranhas, eu achava tudo meio estranho e sem motivo. Podem me chamar de chato e mal amado. Mas, eu não vejo motivo de sorrir para alguém que eu nunca vi na vida e que provavelmente nunca verei de novo. Continuei seguindo, e senti esbarrar em alguém.

— Ai! Que isso? — a mulher reclamou olhando para os lados.

— Desculpe. — disse eu sem esperar algo mais.

— Estranho — ouvi ela murmurar antes de segui caminho.

Eu era estranho? Senti vontade de revidar, mas meus olhos captaram uma placa vermelha logo á frente. Ervas Agarelli.

Ervas. Acho que seria bom ver se tinha algo para eu tomar; alguma coisa que me fizesse sentir mais vivo e mais atento. Precisava dormir melhor e me manter maus antenado. Atravessei a rua e quase fui atropelado.

— Não tá vendo, idiota? — gritei para o motorista que nem respondeu.

Entrei na loja me irritando com a falta de qualquer som que me anunciasse. Caminhei entre as prateleiras cheias de pó e quase tropecei em uma garota sentada no chão limpando tudo. Ela ergueu o olhar e eu senti um bolo se formar no meu estômago. Ela ficou de pé lentamente, sem tirar os olhos dos meus; era como se eu já tivesse visto ela, mas não fazia ideia de onde. Dei um passo para trás e fiquei um pouco tonto, o ar parecia mais carregado agora, como se uma energia nova estivesse nos cercando.

— Bom dia. — disse ela — Não ouvi o sino da porta, desculpe o espanto.

— Sem problema. — disse, um pouco rouco.

— Posso ajudar? — ela perguntou

— Eu...eu não tenho me sentido bem. Queria saber se tem algo para...para eu melhorar. — engoli em seco

— Quais os sintomas? — ela cruzou os braços e eu notei ela tremer um pouco.

— Está com frio?

— Hã, não. — ela pôs uma mexa de cabelo atrás da orelha — é que eu tô sentindo uns calafrios no estômago.

— Como borboletas? — indaguei

— Que quer dizer com isso?

— Nada. — balancei um pouco, estava sentindo isso também.

Eu não vou dizer que me apaixonei por ela á primeira vista. Era ridículo, e eu não acreditava nisso. Mas, não posso negar essa energia estranha que ela passava.

— O que está sentindo? — ela perguntou

— Sinto que não durmo, e minha memória está falhando...estou pouco atento.

— Posso te passar algo que te faça dormir. — ela caminhou até uma prateleira e pegou uma erva que eu não procurei nem ler o nome.

Quando ela entregou para mim, seus olhos voltaram para os meus. Ela tinha olhos cor mal, e uma pele branca de porcelana, pouco salpicadas nas bochechas. Os cabelos eram escuros e isso destacava os lábios rosados. Ela era bem bonita.

— Dinheiro? — ela perguntou

— Sim. — afirmei

Ela anotou em seu caderno e parou.

— Seu nome. — ela pediu

— Kenneth Walker — disse

Ela ergueu as sobrancelhas e escreveu meu nome. Joguei a nota no balcão e ela a pegou jogando na registradora.

— Obrigado... — ergui minhas sobrancelhas e ela me olhou

— Laysla — respondeu, e eu vi o rubor subir seu rosto

— Obrigado, Laysla — sorri um pouco e guardei o saco de ervas no bolso.

— Melhoras para você. — ela desejou

— É. Não acho que a erva vá ajudar muito. — ri e virei de costas.

— Por quê? — ela perguntou e eu parei

Olhei para ela, vendo que sua curiosidade era sincera.

— Os meus sintomas também fazem eu me sentir um inútil — disse, rindo um pouco. —Sozinho. E cansado. Não quero nem sair de casa, e nem sei porque estou tendo essa conversa com você visto que você é apenas uma menina.

— EI! — ela saiu de trás de balcão e veio para minha frente — eu não tenho culpa da merda que você está passando. E se a erva não ajudar é porque ela não serve para curar um espírito podre.

— Você é espírita agora? — debochei

— Não. — ela deu um passo para trás — Mas sei que seu estado não tem a ver com doença.

— E me vendeu a erva por quê?

— Você pediu uma erva, e eu preciso de dinheiro.

— Não se importa com seus clientes?

— Eu me importo em ter minhas contas pagas. —ela deu meia volta.

— Que doçura — comentei

— Vindo de quem é um limão — ela riu — me sinto lisonjeada.

— Tenha um bom dia.

— Diria o mesmo, mas deve ser difícil pra você. — ela piscou e abriu um livro.

Saí da loja batendo ela com força. Peguei a erva no meu bolso e joguei fora. Aquela menina, o que tinha de bonita, tinha de irritante.

Segui pela calçada para longe da minha rua; não queria voltar para casa; eu precisava ver o mar. Foi isso que eu fiz, caminhei até poder ver o mediterrâneo. O vento, o sol o mar; o clima não estava mais carregado como estava naquela loja, e eu só podia pensar que era ela. Ela tinha algo que mudava o ar em torno de mim, e eu não sei se posso achar uma explicação para isso.

Incógnita: Deixe-o irOnde histórias criam vida. Descubra agora