Chegou no ponto mais alto que conseguiu, já na ponta dos pés, e sentiu um vão finalmente. Seu dedo tocava apenas parcialmente a superfície, o restante ficou no ar, em uma abertura invisível a ele, mas estava ali, tinha certeza. Debateu-se, irracional, desesperado em alcançar aquela fresta, caminhou de um lado para o outro, mas apenas quando tentava alcançar o vão em um estrito pedaço de chão, conseguia sentir a passagem. A superfície abaixo da água era toda irregular
Dobrou os joelhos, sentindo seu tornozelo e sua panturrilha protestarem sob o peso de seu corpo. Lançou-se no ar, às cegas, mas estava longe, não alcançou. Retomou a posição e tentou novamente.
E novamente.
Descansou, esticando as pernas, tentando apaziguar a dor muscular. Seu coração batia acelerado, movido à frustração e adrenalina.
Tentou mais uma vez e alcançou. Sua mão agarrou a beirada da pedra, mas logo soltou-se, incapaz de suportar o próprio peso. Caiu, com a sensação de que o ombro estava deslocado. Na queda, bateu a lateral do corpo contra a parede de pedra, sentindo a dor das arestas que lhe rasgaram a pele e lhe verteram o sangue.
Mergulhou na água podre, em meio ao próprio vômito e aos detritos, cuja origem desejou não descobrir. Ergueu-se, coberto de sujeira, e buscou o ar, desesperado. Apoiou-se no canto, apesar das agulhadas que sentiu ao encostar novamente na pedra, e chorou novamente, enquanto suas feridas ardiam conforme a água morna lhes tocava.
Encolheu-se em meio à febre e ao estertor, consumindo os últimos vestígios de esperança dentro de si.
Quando se entregou, quando perdeu tudo que tinha, encontrou mais forças, encontrou uma resolução, um instinto de sobrevivência que, até então, era-lhe desconhecida. Aprumou-se, encontrou o local adequado, com cuidado desta vez, dobrou os joelhos, apesar da dor, e pulou.
Suas mãos agarraram-se à pedra, com força agora, com seriedade e com convicção. Aproveitou o movimento e bateu os pés na parede, jogando-se para cima, aproveitando a energia já despendida. O vão era pequeno, mas era o suficiente para ele. Apertou-se, girou, contorceu-se, soprou o ar até os pulmões ficarem vazios, empurrou e espremeu-se novamente até notar que não corria mais o risco de cair.
Como um louco, ficou parado e gargalhando. Porém, sabia que não era a hora de descansar, seu corpo doía como se estivesse sendo esmagado dentro daquele espaço. Moveu o braço, esticando-o, projetando-o em direção ao vazio, à escuridão desconhecida. Cravou as unhas na pedra e puxou.
Arrastou-se por uma eternidade até que o corredor minúsculo se abriu e caiu no chão. Havia espaço agora e o ar parecia abundante em comparação com a passagem que acabara de atravessar. O teto era baixo, mas muito melhor que o aperto anterior.
Após tatear pelo local, percebeu que estava em um túnel. A parede se estendia por muito mais tempo do que a da primeira câmara. Continuou, apoiado em uma parede, decidido a encontrar o final daquele tormento.
Como se precisasse de um estímulo, ouviu um som formidável vindo da grota de onde viera. Era o som da água se agitando, seguido por um guincho inumano. Um som malévolo que congelou seus ossos entorpecidos e disparou seu coração.
Correu aterrorizado, utilizando a parede como guia, tentando não trombar em um obstáculo invisível. Conforme corria, sentia o peso do cansaço em seus músculos e em seus ossos. Havia uma dor aguda na altura da costela e outra no braço esquerdo. Para piorar, sentiu uma fisgada no joelho que o levou ao chão. Com os olhos cheios de lágrimas, ergueu-se e tateou o chão. A irregularidade do solo havia-lhe custado uma soma dolorosa. Fez o melhor possível para continuar o seu caminho.
O som atrás de si se tornou mais alto, mais presente e mais ameaçador. Era o som de uma grande quantidade de água entrando em movimento, provocada por uma massa significante ao entrar em contato com seu recipiente. Em meio ao som do líquido, havia o guincho, animalesco e contrariado, de algo que lhe fugiu à compreensão.
O som era uma promessa de dor e morte.
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O Homem de seus Sonhos (2017)
Ficción GeneralEm 2010, eu escrevi dois contos para uma antologia em homenagem a Lovecraft, a qual infelizmente acabou não sendo publicada. Após sete anos, reescrevi o primeiro deles, desta vez sem o limite de caracteres exigido pela editora.