Teve outra ideia. Havia uma esperança. Relutantemente, pegou o telefone e discou o número de sua ex-esposa.
-Laura- ele disse ao ouvir o som que lhe tirara o sono anos atrás.
-Roberto? – ela o reconheceu de imediato – Você está mesmo vivo.
O professor respondeu a pergunta, mesmo sabendo que era apenas retórica. Laura lhe encheu de perguntas com uma voz ora pastosa, ora imperativa. Estava lutando contra as próprias emoções. Sentia por ele um amor mal curado, com gosto de ódio. A decepção que ele lhe causara era muito grande, mas incapaz de eclipsar todos os anos de ventura que haviam passado juntos. Ele nem sempre havia sido distante e seco. No começo, era um amante entusiasmado e atencioso e era esta imagem dele que estava fincada nas lembranças dela.
Após hesitar, Roberto decidiu ser honesto.
-Eu realmente não me lembro. Minha cabeça é um quarto vazio no que se refere aos dois últimos anos.
Laura entendeu a referência e sorriu do outro lado da linha a quilômetros de distância. Quando ainda estavam casados, ela costumava dizer que a mente dele era um quarto bagunçado, onde seria impossível encontrar o que se estava procurando.
-Estou indo aí- ela disse antes de desligar o telefone, não lhe deixando opção se não esperar.
Quase uma hora depois, Roberto acordou com o barulho do ferrolho sendo destrancado. Ele se levantou e caminhou ao encontro da mulher. O sinistro pensamento de que alguém o havia colocado dentro de seu apartamento e o trancado ali lhe ocorreu e o efeito foi paralisador. Sentiu-se preso, vigiado e violado. O local lhe pareceu pequeno demais como se as paredes o estivessem comprimindo. Lembrou-se novamente da sala inundada de seu sonho.
A porta de madeira pintada de branco se abriu e uma mulher alta adentrou o apartamento. Ela tinha o cabelo aloirado, olhos pintados de negro e um batom discreto. Usava um vestido preto e, sobre ele, um casaco cor de creme. Trazia uma bolsa discreta à tiracolo. Diante de si, estava seu ex-marido, carcomido, devastado, enlouquecido, caído sobre os próprios joelhos, a testa encostada no chão e as mãos nas temporadas.
Superado o susto, Laura correu para acudi-lo e o levantou nos braços. Abraçou-o e tentou soltar-lhe as mãos, mas o aperto era forte, o suficiente para que suas unhas deixassem marcas avermelhadas na pele, ao lado de veias muito roxas que pareciam prestes a explodir.
-Acalme-se, Roberto, acalme-se- ela repetia, abraçando seu rosto e sussurrando em seu ouvido.
-O que fizeram com você, meu amor- ela perguntou em voz baixa, sem saber se ele podia escutá-la ou não. Sem saber se não havia sido ele próprio o autor da ruína em que se convertera.
Levou algum tempo, mas a razão regressou à mente de Roberto. A mulher o havia deitado no sofá e o segurava com ternura em um abraço apertado, ao mesmo tempo em que tentava usar o celular para falar com um amigo médico. Quando percebeu que ele havia recobrado à consciência, ela deixou o aparelho de lado e lhe voltou sua atenção.
-O que está fazendo?- ele perguntou com a voz engasgada.
-Estava ligando para o Rodrigo.
-Seu amante?- ele perguntou, azedo.
-O médico- ela respondeu, surpresa- que tipo de pergunta é essa, Roberto?
Roberto se levantou do colo de Laura com dificuldade, emitindo um leve gemido quando tocou na superfície do móvel com seu braço dolorido, e a mirou nos olhos. Ela viu duas órbitas amareladas, cheias de vasos avermelhados irritados. Tentou se convencer que, em algum lugar naquela devastação, estava o homem que um dia amara.
-Se quer me ajudar, me leva na casa do Augusto.
Antes que Laura protestasse, ele a interrompeu e foi imperativo ao dizer que precisava falar com Ângela.
-Alguma coisa aconteceu, Laura, e eu não me lembro de nada. Somente o Augusto pode me ajudar agora e aquela megera me impede de conversar com ele. Se não pretende me levar até lá, ao menos me deixe algum dinheiro para o transporte.
Após pensar por alguns momentos, Laura suspirou e respondeu:
-Não, eu te levo até lá. No caminho você me conta o que aconteceu.
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O Homem de seus Sonhos (2017)
Художественная прозаEm 2010, eu escrevi dois contos para uma antologia em homenagem a Lovecraft, a qual infelizmente acabou não sendo publicada. Após sete anos, reescrevi o primeiro deles, desta vez sem o limite de caracteres exigido pela editora.